terça-feira, 5 de maio de 2009

GAIFO, GALFO, GARFO!

Houve tempos em que os pais interferiam diretamente na escolha de quem casaria com seus filhos. Foi com essa interveniência que o jovem Severino Mauá, recém-saído da faculdade de direito, uniu-se em matrimônio com Florentina, filha única de um velho compadre de seu pai.
Florentina, moça rica e viçosa, era semi-analfabeta, embora se julgasse muito sabida e desembaraçada. Cursara apenas o segundo ano primário, o que lhe proporcionava assinar o nome. Dizia seu genitor que mulher não carecia de ser letrada. Sabendo cozinhar e lidar com as coisas domésticas era o bastante para ser boa dona de casa e bem cuidar do marido e dos filhos.
Moldada daquela forma, era Florentina precisamente o oposto do Doutor Mauá, um homem erudito e, acima de tudo, um zeloso no trato com nosso idioma, o que fazia com esmerada correção. Daí sua luta constante para minorar as aberrações do linguajar de sua companheira. Já conseguira, por exemplo, que pronunciasse corretamente o próprio nome: - já não se apresentava mais como "Fulorintina".
Era um tormento para o causídico ter que comparecer a uma reunião social acompanhado da mulher. Quanto à etiqueta, conseguira sucesso acima do esperado. Mas no falar... era um desastre. Até já suplicara que, em determinadas ocasiões, abrisse a boca o mínimo possível. De preferência, apenas movimentasse a cabeça para confirmar ou negar alguma coisa.
Certo dia, durante um jantar oferecido pelo prefeito à nata política da cidade, esqueceram de colocar talheres justamente onde foi se sentar a nossa amiga. Florentina olhou para um lado, olhou para outro, e socorreu-se do Doutor:
- Mauá, mi arranja aí um gaifo!
O marido, entre irritado e envergonhado, passou os olhos pelos presentes e sussurrou-lhe:
- Florentina, o nome não é gaifo! O nome é...
A mulher não o deixou concluir. Faria ela mesma a correção. E alteando a voz:
- Dixe gaifo pruquê quiz! Tô cansada de sabê qui o nome é galfo!
E acrescentou:
- Gê - A - LÊ - GAL - FÊ - Ó - FÓ! GALFO!
Os convivas entreolharam-se. O Doutor Mauá, vermelho como um tomate, entregou-lhe o utensílio, perdeu completamente o apetite, enquanto Florentina, orgulhosamente, punha seu garfo a trabalhar.
.
(José de Anchieta Batista)

Um comentário:

Alma Acreana disse...

Meu caro amigo,
gostei bastante deste texto!
Muito bem escrito!
Por isso levei para o blog, mesmo sem sua permissão.
Um forte abraço!