segunda-feira, 12 de abril de 2010

PARA QUE SE CUMPRAM AS ESCRITURAS

José de Anchieta Batista
                    Por alguns anos, fui seminarista católico da ordem secular. Minha inocente alma infantil acreditava piamente em tudo que me era dito, até que os questionamentos da razão começaram a inquietar-me. Mergulhei-me, naquela época, em uma verdadeira revolução espiritual. Parecia ecoar dentro de mim um grito: - não me enrolem! Certa feita, através da tela de palhinhas do confessionário, o velho padre Renato, deveras irado contra o que ele chamou de blasfêmia contra o Espírito Santo, alertou-me de que, se naquele dia eu houvesse morrido sem arrependimento, estaria com certeza no fogo do inferno. Lembro-me de que ele me atribuiu uma penitência tão severa que meus joelhos incharam, restando-me por algum tempo um sentimento horrível de candidato ao castigo eterno.
                    Depois de muitos conflitos interiores, sobremodo a respeito dos “dogmas de fé”, saí do seminário deveras confuso e quase um ateu. Segui então pela vida afora na certeza de que, na luta entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno, entre Deus e o diabo, cada religião possui sua verdade. E essa verdade, para os fiéis seguidores, é sempre a verdade mais verdadeira do universo. Ai de quem pensar diferente! Cada uma delas confere a “seu” Deus, de forma inquestionável e inexorável, todo o poder, toda a perfeição, toda a sabedoria e toda a bondade. Porém um Deus, que no contexto geral da existência, é sempre autor ou inspirador de tanta pequenez, tanta bobagem, tanta imperfeição e tanta maldade, contrapõe-se claramente à propalada perfeição. O Deus que em mim restou concebido está bem além de tudo isso. 
                    Deixemos isso para lá e tratemos de um fato acontecido muitos anos após haver eu deixado o seminário.
                    Em 1975, um pastor da igreja frequentada por minhas filhas, devidamente acompanhado da esposa, resolveu ir a minha casa para "salvar-me". Pelo menos senti essa pretensão logo nos primeiros momentos de nossa conversa. Estava ele presunçosamente disposto a tirar todas as minhas dúvidas, explicando-me em toda plenitude, todos os mistérios e todos os segredos das coisas divinas. Praticamente, aquele “homem de Deus” dava-se ares de um santo, de um sábio, enquanto via em mim um pecador ignorante. Deixei-o falar por um longo tempo, sem interrompê-lo. Depois de alguns momentos, não mais suportei ficar calado e fui também externando minhas contraposições. Perdemos, assim, quase toda uma manhã confabulando, num longo e inócuo debate.
                    Já próximo do meio-dia, entramos no que se pode chamar de capítulo final. Inspirei-me no fato de sua esposa estar passando pelos últimos dias de gravidez. O parto estava previsto para a semana seguinte. Lembrando-me disso, investi:
                    - Pastor, o senhor me disse que na bíblia inexiste qualquer erro ou equívoco. Isso é mesmo uma verdade irrefutável? – disse-lhe eu, preparando meu próximo ataque.
                     - Claro! É a palavra de Deus! Seria atribuir erros a Deus! Deus não erra!
                    Como eu já sabia que a criança viria ao mundo por meio de uma operação “cesariana”, emendei, maliciosamente:
                     - O parto de sua esposa será feito com os procedimentos ditos normais?
                     - Não. Vamos fazer uma cesariana.
                     - Como, pastor? Não pode! Tem que ser parto normal, a fim de ser cumprida a palavra de Deus. E caso tenha que haver a operação, ela terá que ser feita, pelo menos, sem anestesia!   -  disse-lhe eu, com exagero proposital.
                     - Por quê? - indagou curioso, ainda sem entender onde eu queria chegar.
                      - Está escrito lá na bíblia que o parto tem que ser com dor! Não sou eu que estou dizendo. Está lá escrito: “...em dores de parto darás à luz filhos.” . - Disse-lhe eu.
                     O pastor tentou imediatamente dar-me uma versão que justificasse a citação do livro de Gênesis (3:16), porém eu não estava disposto a ouvir outro rosário de argumentos ilógicos sobre o texto sagrado. E para livrar-me de um novo suplício,  interrompi-o, levantei-me,  aleguei compromisso inadiável e prometi retornar futuramente ao assunto. Felizmente esse momento nunca aconteceu.
                                                              

3 comentários:

Brunno Damasceno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Brunno Damasceno disse...
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Brunno Damasceno disse...

Professor veja isso: http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u718138.shtml