(*) José de Anchieta Batista
Quem emite opinião sobre algum assunto a respeito do
qual nunca ouviu falar, expõe-se ao ridículo. E quando o desconhecimento sobre
a matéria atinge a quase totalidade das pessoas, é facílimo para o sujeito danar-se
a falar besteiras, com interpretações estúpidas, trocando alhos por bugalhos.
Ninguém faz o contraponto, e a mentira se instala, principalmente se a intenção
é macular a honra de alguém.
Aqui no Acre, há alguns anos, maldosamente, lançou-se
para a sociedade a informação de que na previdência acreana existia um rombo (no
sentido de roubo) de oito bilhões e seiscentos milhões de reais (Reserva
Matemática de 2014). Esses números, colhidos do balanço geral do Estado,
significava o registro contábil da Provisão Matemática Previdenciária que,
obrigatoriamente, tem que ser contabilizada por todos os Regimes Próprios do
Brasil.
Tecnicamente, a Provisão Matemática Previdenciária é
a apropriação de valores necessários para fazer face à totalidade dos
compromissos líquidos do plano, junto aos seus segurados, registrada
contabilmente no Passivo da unidade gestora do RPPS. Ou seja, o profissional da
Ciência Atuarial, de posse dos dados dos participantes do plano e de premissas
atuariais, faz uma projeção dos recursos que serão necessários para honrar o
pagamento dos benefícios previdenciários que advirão. A avaliação atuarial, obrigatoriamente repetida
todos os anos, é um instrumento de gestão previdenciária, não tendo como
resultado um rombo (ROUBO). Quanta ignorância!
Claro que o DÉFICIT ATUARIAL, ou seja, a diferença
entre a Provisão e os ativos garantidores, será sempre menor se os governantes tiverem
se preocupado em constituir uma reserva correspondente à massa de
participantes. Mas isso às vezes se torna impossível dada a insolvência e
circunstâncias outras de nossos entes federativos.
No caso do Acre, a reserva não existe. E não existe
porque nunca foi feita, principalmente até dezembro de 1993, quando não devia
existir essa preocupação, visto que a vinculação era com o regime geral. Esse
passado veio prejudicar o Estado, ante a criação de seu próprio regime, a
partir de 1994, com edição da Lei Complementar nº 39/93.
Em outubro de 1996, apenas dois anos depois, e sem
que o Acre contribuísse com um só centavo dos 13% a que estava obrigado, editou-se
a Lei Complementar nº 52, trazendo para o Tesouro do Estado um montante da
ordem de 41 milhões de reais, descontados de seus servidores. O cofre do Estado
passou, então, a arrecadar as contribuições e pagar os benefícios. Morreu aí a
ideia de um fundo previdenciário, em separado, com finalidade de abrigar a
gestão financeira e a poupança garantidora do regime.
Quando em 2006, o Estado do Acre, para cumprir
dispositivo da Constituição Federal, (re)instituiu (?) seu regime próprio, o
lógico era que um aporte fosse feito para compensar todo o passado de tempo de
serviço das pessoas, muitas delas com mais de 20 anos no Estado. Todos esses
tempos contados para aposentadoria representam um custo nas avaliações atuariais.
Contudo, naquele momento, o Acre não tinha condições para fazê-lo, e o regime
passou a funcionar sem um só centavo de poupança. Arrecadava-se no presente
para pagar obrigações geradas no passado. Era insustentável.
Recorde-se que, em dezembro de 2006, quando fazia um
ano da edição de leis, reestruturando o nosso Regime Próprio, já havia no Poder
Executivo, uma folha de proventos e pensões com 4.593 benefícios, e isso representava
uma despesa de R$ 7.622.133,14. Naquele
ano, os benefícios civis tiveram um superávit (diferença entre as contribuições
e o custo das folhas) da ordem de R$ 16 milhões de reais, enquanto os
benefícios dos militares representaram um déficit aproximado de 9 milhões para
o Tesouro Estadual. Desde o início, contudo, já sabíamos que a curva
descendente do superávit dos benefícios civis seria iniciada em menos de dez
anos. Os números nos mostravam que o saldo positivo do Fundo, no que tange aos
servidores civis, teria existência muito curta. Assim, depois de já haver
atingido uma acumulação de 300 milhões, entrou em declínio e, em 2016, o
Tesouro Estadual passou a complementar a folha mensal de benefícios. Hoje esse déficit financeiro mensal ultrapassa
quarenta milhões, numa folha de setenta.
Da forma como as previdências são criadas no Brasil,
a conta nunca fechará. O servidor é aposentado, momento em que quase sempre
deixa de contribuir (no Acre 84% ficam isentos), e o Fundo de Previdência recebe
mais uma despesa para pagar. Isso, repito, sem a existência de reserva
financeira.
Lembro que em 1993, quando foi editada a Lei
Complementar nº 39, criando o sistema previdenciário para o servidor público
acreano, eu era fiscal do Ministério da Previdência, aqui no Acre. Algumas
vezes fomos obrigados a bloquear o FPE do Estado, por inadimplência. Os
parcelamentos eram vultosos e as contribuições mensais sempre estavam em
atraso. Naquele momento, justamente para fugir do INSS, foi criado o sistema de
previdência no Acre. Antes de qualquer ideia de visão social, ou bondade para
com o servidor público, aquilo significou, na verdade, o que vulgarmente
chamamos de “pulo do gato”. Fugiam de um enorme problema, mas passavam a
plantar as dificuldades que estamos vivendo atualmente.
Aos maliciosos, politiqueiros e ignorantes sobre o
assunto, é bom ressaltar que os déficits financeiros atuais não significam algum
roubo por parte de nenhum governo. Podemos, sim, afirmar que tudo teve motivação
numa “imprevidência” histórica.
Bem, acho que fui além do que devia abordar. É que,
após ouvir muitas leviandades sobre isso tudo, tornou-se difícil me prender apenas
aos 15,5 bilhões de Provisão Matemática Previdenciária (2018), registrados na
Contabilidade Geral do Estado. Meu ponto
final, portanto, é a respeito dessa tal provisão:
- Minha gente, esse montante resulta de uma conta
feita, a valor presente, levando em consideração as obrigações futuras
(atualmente num horizonte de 75 anos). No Brasil, os mais de 2.100 estados e
municípios que possuem regimes próprios, estão obrigados a registrar essa
conta. Não significa que, nem aqui nem em lugar nenhum, alguém tenha assaltado
os cofres da previdência. Se não entendem do assunto, evitem a maldita
leviandade.
(*)
Auditor-fiscal aposentado da Receita Federal do Brasil, ex-Presidente da
Associação Brasileira de Instituições de Previdência (ABIPEM) e atual
Presidente do Acreprevidência.
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