sábado, 23 de maio de 2009

A Rua do Bagaço

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A Rua do Bagaço é uma dessas ruas pobres e tristes, composta de um amontoado de barracos em total desordem. Pois bem: num desses barracos eu me escondo. É aí que tenho passado minha vida inteira debruçado na janeleta, a contemplar o panorama que me cerca. Tudo parece confuso e indecifrável. Por mais que alguém me afirme que esta rua é maravilhosa, nem meus olhos nem meu coração conseguem ver isso. Dentro de mim há um sentimento de que a vida nos tritura aos poucos. Longe, mais ao centro da movimentada cidade, as ruas cruzam-se. Ruas, não! Imensas avenidas, largas, festivas, decoradas com ornamentos fascinantes, num misto de muitas cores. As cores da hipocrisia. Aqui e ali, ocasionalmente, se desenrola a comédia, porém o mais comum é a tragédia. Às vezes me revolto, fecho a janela, deito-me no chão frio, enrosco-me qual fosse um caracol e em desespero... eu choro! Às vezes, desço até as margens do rio e fico ali sentado, pensando alheio como os loucos pensam, sem encontrar a razão de ser deste imenso pandemônio que existe nas ruas da vida. Depois, saio por aí, andando à toa, buscando debalde tocar-me alguma indiferença quanto a tudo isso. Retorno ao velho barraco, bem mais angústiado, sem um novo sonho, sem uma nova esperança e bem mais cansado. Então, assobio uma canção triste, forjada sempre em alguma desdita, recito versos do Augusto dos Anjos, deito-me no catre, olho as estrelas pelas frestas do velho telhado e mergulho no pesadelo de minha insônia.
Canta um galo no quintal.
Ladra um cão na madrugada.
A Rua do Bagaço dorme...
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(José de Anchieta Batista)

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