domingo, 15 de agosto de 2010

METADE

(Oswaldo Montenegro)
Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda, que triste.
Que a mulher que amo seja sempre amada,
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste.
Que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade, a canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor
e a outra metade... também.
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