domingo, 3 de julho de 2016

UM FERIADO PARA CADA RELIGIÃO

(*) José de Anchieta Batista
É difícil, muito difícil, abordar qualquer assunto que passe por perto do mundo sagrado de cada um. O respeito à forma como as pessoas acreditam em suas “verdades” intangíveis deve estar sempre presente para não ferirmos as concepções que embalam nossos semelhantes. Neste mundo de incertezas, amarguras, fragilidades e ignorâncias, todos nós temos necessidade imperiosa de crer em algo maior que nós, mesmo que tal crença pareça às vezes revestir-se de um ilogismo sem limites. Fruto, então, de nossa pequeneza, buscamos ser adotados por alguma onipotência que possa tudo o que não podemos.
Afirmo aqui que, sob a ótica dos preceitos espirituais adotados, não existem religiões certas ou erradas, desde que haja observância da saudável convivência, da fraternidade, da moral e dos costumes. Vejo as religiões como caminhos escolhidos para praticarmos nossas buscas pelo sagrado. Nelas, a fé assume uma concretude que a ninguém é dado o direito de desrespeitar. Contudo, na vivência desta certeza interior, ninguém pode invadir o mundo dos outros. A fé religiosa é um sentimento personalíssimo que expressa a convicção de cada devoto a respeito do divino. Até mesmo aqueles que se assumem ateus, têm que ser respeitados.
A Constituição da República Federativa do Brasil declara, de forma contundente, que vivemos num país laico. Os credos e os cultos são livres. Assim, observadas as demais normas que regem os direitos e os deveres individuais e coletivos, nada pode obstaculizar, nem a crença, nem a prática dos cultos respectivos. Acho isso muito bom. O que não é salutar é essa disputa desenfreada por novos adeptos, em que se busca muito mais o famigerado dízimo, do que a “salvação” da alma do dizimista. Aí, não! É abominável. O sagrado não pode se transformar em mercadoria. Outra prática nociva, adotada neste momento, de maneira desenfreada, é a utilização da religião para fins politiqueiros. Bem, sobre esta pouca-vergonha, ocuparei este espaço em outro momento.
Na realidade, o ponto central desta minha humilde crônica é outro. Quero focar aqui minha insurgência contra a designação, por lei, de um dia dedicado especificamente a qualquer religião. Isso nos impõe obediência a uma determinação que bate de frente com a observância de um estado laico.
Nunca pude compreender, e provavelmente nunca compreenderei, a necessidade de existirem feriados específicos destinados a homenagear esta ou aquela religião. Se vivemos num país onde a laicidade é um preceito constitucional, não podemos admitir a existência desses tipos de feriados. No Estado do Acre, por exemplo, foram editadas leis, em momentos recentes, criando o “Dia do Evangélico” (2010) e o “Dia do Católico” (2016). Para que isso? Sinceramente, para quê? Será que isso faz parte de uma disputa sobre quem é maior diante dos olhos de Deus? Ou faz parte de uma demonstração de forças diante dos olhos dos homens? E já que estamos tratando de parcelas da humanidade que proclamam seguir ensinamentos cristãos, fico procurando, sem qualquer sucesso, um só versículo dos evangelhos em que Jesus pelo menos insinue concordar com isso. Aliás, que se tenha registro, o Santo Homem da Galileia nunca pronunciou a palavre “religião”. Está registrado, porém, que os religiosos da época o condenaram e o crucificaram.
Ah! Tenham a santa paciência! Parem de alimentar a reinante hipocrisia, esta terrível prática que se espraia e se eterniza cada vez mais por todos os recantos.
Amigos, se formos dedicar um dia para cada credo religioso, o calendário, com seus 365 dias, vai ser curto. A lista das religiões de todas as vertentes é quilométrica. Com certeza vão existir tantos feriados, que ninguém mais trabalhará neste País.
Diante de tudo isso, vai aqui um fechamento jocoso para minha crônica:
- Se estamos todos debaixo do mesmo guarda-chuva jurídico, quero, de minha parte, cobrar também um feriado em homenagem ao “Anchietismo”. Trata-se de uma religião fundada por mim, sem pé nem cabeça, cheia de futilidades, para ser praticada durante esta minha passagem pela Terra, e que se baseia nas minhas próprias imperfeições. Em seu minúsculo templo, eu sou o único membro, e fui por mim mesmo eleito o sumo sacerdote. É uma religião complicadíssima de ser praticada, pois sua liturgia está recheada de egoísmos, vaidades, falta de amor ao próximo, etc.
Repito, para finalizar: exijo o “Dia do Anchietismo”! Adianto que não aceito o de meu aniversário. Quero uma data determinada por lei, a exemplo das outras religiões. Proponho, então, que em algum artigo da norma legal, conste que o honroso feriado será sempre no dia 31 de fevereiro.
Arre lá! Vamos deixar de construir muros, minha gente!

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