(*) José de
Anchieta Batista
É difícil, muito difícil, abordar
qualquer assunto que passe por perto do mundo sagrado de cada um. O respeito à
forma como as pessoas acreditam em suas “verdades” intangíveis deve estar
sempre presente para não ferirmos as concepções que embalam nossos semelhantes.
Neste mundo de incertezas, amarguras, fragilidades e ignorâncias, todos nós
temos necessidade imperiosa de crer em algo maior que nós, mesmo que tal crença
pareça às vezes revestir-se de um ilogismo sem limites. Fruto, então, de nossa
pequeneza, buscamos ser adotados por alguma onipotência que possa tudo o que
não podemos.
Afirmo aqui que, sob a ótica dos
preceitos espirituais adotados, não existem religiões certas ou erradas, desde
que haja observância da saudável convivência, da fraternidade, da moral e dos
costumes. Vejo as religiões como caminhos escolhidos para praticarmos nossas
buscas pelo sagrado. Nelas, a fé assume uma concretude que a ninguém é dado o
direito de desrespeitar. Contudo, na vivência desta certeza interior, ninguém
pode invadir o mundo dos outros. A fé religiosa é um sentimento personalíssimo
que expressa a convicção de cada devoto a respeito do divino. Até mesmo aqueles
que se assumem ateus, têm que ser respeitados.
A Constituição da República
Federativa do Brasil declara, de forma contundente, que vivemos num país laico.
Os credos e os cultos são livres. Assim, observadas as demais normas que regem
os direitos e os deveres individuais e coletivos, nada pode obstaculizar, nem a
crença, nem a prática dos cultos respectivos. Acho isso muito bom. O que não é
salutar é essa disputa desenfreada por novos adeptos, em que se busca muito
mais o famigerado dízimo, do que a “salvação” da alma do dizimista. Aí, não! É
abominável. O sagrado não pode se transformar em mercadoria. Outra prática
nociva, adotada neste momento, de maneira desenfreada, é a utilização da
religião para fins politiqueiros. Bem, sobre esta pouca-vergonha, ocuparei este
espaço em outro momento.
Na realidade, o ponto central
desta minha humilde crônica é outro. Quero focar aqui minha insurgência contra
a designação, por lei, de um dia dedicado especificamente a qualquer religião.
Isso nos impõe obediência a uma determinação que bate de frente com a
observância de um estado laico.
Nunca pude compreender, e
provavelmente nunca compreenderei, a necessidade de existirem feriados
específicos destinados a homenagear esta ou aquela religião. Se vivemos num
país onde a laicidade é um preceito constitucional, não podemos admitir a
existência desses tipos de feriados. No Estado do Acre, por exemplo, foram
editadas leis, em momentos recentes, criando o “Dia do Evangélico” (2010) e o
“Dia do Católico” (2016). Para que isso? Sinceramente, para quê? Será que isso
faz parte de uma disputa sobre quem é maior diante dos olhos de Deus? Ou faz
parte de uma demonstração de forças diante dos olhos dos homens? E já que
estamos tratando de parcelas da humanidade que proclamam seguir ensinamentos
cristãos, fico procurando, sem qualquer sucesso, um só versículo dos evangelhos
em que Jesus pelo menos insinue concordar com isso. Aliás, que se tenha
registro, o Santo Homem da Galileia nunca pronunciou a palavre “religião”. Está
registrado, porém, que os religiosos da época o condenaram e o crucificaram.
Ah! Tenham a santa paciência!
Parem de alimentar a reinante hipocrisia, esta terrível prática que se espraia
e se eterniza cada vez mais por todos os recantos.
Amigos, se formos dedicar um dia
para cada credo religioso, o calendário, com seus 365 dias, vai ser curto. A
lista das religiões de todas as vertentes é quilométrica. Com certeza vão
existir tantos feriados, que ninguém mais trabalhará neste País.
Diante de tudo isso, vai aqui um
fechamento jocoso para minha crônica:
- Se estamos todos debaixo do
mesmo guarda-chuva jurídico, quero, de minha parte, cobrar também um feriado em
homenagem ao “Anchietismo”. Trata-se de uma religião fundada por mim, sem pé
nem cabeça, cheia de futilidades, para ser praticada durante esta minha passagem
pela Terra, e que se baseia nas minhas próprias imperfeições. Em seu minúsculo
templo, eu sou o único membro, e fui por mim mesmo eleito o sumo sacerdote. É
uma religião complicadíssima de ser praticada, pois sua liturgia está recheada
de egoísmos, vaidades, falta de amor ao próximo, etc.
Repito, para finalizar: exijo o
“Dia do Anchietismo”! Adianto que não aceito o de meu aniversário. Quero uma
data determinada por lei, a exemplo das outras religiões. Proponho, então, que
em algum artigo da norma legal, conste que o honroso feriado será sempre no dia
31 de fevereiro.
Arre lá! Vamos deixar de
construir muros, minha gente!
Nenhum comentário:
Postar um comentário