Aposentada aos 40 anos de idade, dra. Matilde deve
passar algo em torno de cinquenta anos recebendo da previdência acreana um vultoso
benefício mensal.
Estupefato, cumpri recentemente a obrigação de conceder
essa aposentadoria especial, em mais um ritual do aprofundamento da crise
previdenciária que se aguça, no Acre, no Brasil e no Mundo.
Não! não houve ilegalidade nem fraude nenhuma. Tudo
dentro da lei, absolutamente dentro da lei. Dra. Matilde é exemplo de probidade
e tem vida inspirada na ética e na moral.
Se a aposentadoria foi por invalidez? Também não!
Dra. Matilde é exemplo de pessoa saudável, cheia de vigor e juventude.
A servidora, em si, não deve ser motivo de qualquer
censura pessoal, por menor que seja. Dra. Matilde apenas utilizou-se dos
direitos que as regras previdenciárias em vigor lhe conferem. Está tudo bem
certinho, tudo dentro da lei, na aposentadoria dessa jovem servidora. Isso,
porém, significa mais um alerta sobre a imperiosa necessidade de uma reforma, ampla,
rigorosa e responsável, nas leis que regem atualmente os regimes de previdência
social. O cobertor é curto. As despesas crescem desenfreadamente e as receitas não
conseguem acompanhar. No Brasil, só algo parecido com o milagre dos “cinco pães
e dois peixes” cobririam as deficiências dos seus regimes próprios. Mas Jesus Cristo, o santo rabino da Galileia, preside
outro tipo de previdência.
Vejam um exemplo concreto dessa desproporção no Poder
Executivo do Acre: entre 2006 e 2018, a quantidade de benefícios cresceu 233%.
Saiu de 4.500 para 15.000 benefícios. Enquanto isso, a folha, que era de 7,6
milhões, deu um salto de 830%, atingindo um total de mais de 70 milhões.
A respeito da norma legal que permitiu o benefício
acima, concedido a Dra. Matilde, o Estado do Acre, em passado recente, lutou
até a instância maior do Supremo Tribu
nal Federal, para garantir que a Lei
Complementar (federal) nº 51, de 20/12/85, fosse declarada não recepcionada pela
Constituição Federal de 1988. Perdemos. Mas não ficou só nisso. Acharam pouco
e, posteriormente ao nosso insucesso, o Congresso Nacional deu àquela lei uma
roupagem nova, aprovando as Leis Complementares nºs 144/2014 e 155/2015, permitindo
à mulher policial aposentar-se aos 25 anos de serviço (independentemente de
onde haja trabalhado), desde que conte com 15 na carreira policial. Isso sem previsão
de qualquer limite de idade.
Nada contra a valorosa classe policial, mas os nobres
legisladores deviam ter indicado, em algum artigo da Lei, as respectivas fontes
de custeio. Os Estados e municípios não possuem uma Casa da Moeda. Esse tipo de
“bondade”, concedida de forma politiqueira pelas distintas “excelências” de
Brasília, sem olhar para os efeitos desastrosos, é, na verdade, uma maldade
contra toda a sociedade. No amanhã, outra geração haverá de pagar.
Dra. Matilde, além dos 15 anos e 6 meses vividos como
policial, apresentou ao Acreprevidência uma certidão, emitida pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, reconhecendo 11 anos e 7 meses de
contribuição, preenchendo, assim, todas as exigências legais. Como não há
previsão de idade, seu direito era líquido e certo, e não podia ser questionado
por ninguém. Parabéns, Dra. Matilde. Faça bom proveito de sua aposentadoria.
Escrevo hoje sobre tal assunto porque esta foi a mais
emblemática de todas as aposentadorias que concedi, durante os 13 anos em que
estive à frente do Acreprevidência. Acredito que nesse período, fui signatário
de bem mais de 10.000 aposentadorias e pensões previdenciárias a segurados do
regime próprio do Estado do Acre. Antes deste benefício, ora abordado, a
aposentação campeã, neste particular, era a de uma outra mulher, militar de
alta patente, que fora para casa aos 43 anos de idade.
Não posso, contudo, concluir esta crônica sem confessar
que minha própria aposentadoria como funcionário público federal, é um exemplo
de benefício originado na contramão da sustentabilidade do regime
previdenciário. Em 1994, num desses momentos angustiantes da vida, resolvi me aposentar. O Ministério do Planejamento indeferiu-me a
contagem de tempo de escola agrotécnica, mas minha ansiedade em ir logo para
casa proporcionou-me um ato de insanidade. Aposentei-me proporcionalmente
(naquele tempo era possível) e deixei pra lá qualquer briga judicial pelo tempo
não reconhecido. E sabem com quantos
anos deixei o serviço ativo? 49 anos e 5
meses de idade. Se é um absurdo? Estou convicto disso! Eu houvera atingido meu
melhor nível de conhecimento e experiência no cargo que exercia. Podia ainda
trabalhar satisfatoriamente por mais uns 20 anos. Naquela
decisão tempestuosa, além do cofre do regime, também fui prejudicado. Hoje, eu
agradeceria se as leis da época fossem mais rígidas. Teriam me obrigado a
esperar por uma aposentadoria integral.
Bem, amigos, parafraseando um alerta feito por alguém
(Prof Google acaba de me informar que foi um naturalista francês, no século 19),
nos afirmando que “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o
“Brasil”, quero gritar algo parecido:
- “Ou o Brasil reforma com seriedade sua previdência,
ou a previdência acaba com o Brasil!”
Um comentário:
Belíssimo, consciente e reponsável artigo.
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