domingo, 21 de março de 2010

O BRABO
               José de Anchieta Batista

              Desde os seis ou sete anos de idade, passou a ser chamado pelo apelido de Brabo.
              No primeiro dia de escola toda a meninada encontrou nele imediatamente muitos motivos para gozações. Parecia um boneco de brinquedo. Tinha metade da estatura dos outros, era exageradamente franzino e sua cabeça parecia a de um macaquinho. Com aquele jeito esquisito, seu primeiro apelido foi “monstrinho”, mas diante de suas reações agressivas os colegas adicionaram outro apelido que veio a predominar definitivamente: - o Brabo. É que ele saía no braço com meio mundo. Fosse quem fosse. Tivesse o tamanho que tivesse. Havia, contudo, uma infinita desvantagem. Não vencia um só dos embates. Na maioria das vezes, no auge da brabeza, os garotos erguiam-no do chão, sem qualquer esforço, e ele ficava balançando no ar as duas pequenas pernas, sem alcançar coisa alguma. Depois ia ele se sentar, amuado, chorando e xingando, lá pelos recantos.
               Os dias se passaram, consagrou-se realmente como Brabo e, até hoje, por volta dos cinquenta anos, quase ninguém sabe seu verdadeiro nome. Na transcorrência de todos essas décadas, certamente cansou-se de reagir ao apelido e se tornou tão natural ser chamado assim, que a brabeza do Brabo sumiu. Se o chamarem por seu nome de batismo, que também não sei qual é, com certeza não atenderá.
               O lado bom de tudo isso é que, apesar do apelido, o Brabo se fez um cidadão pacato, absolutamente avesso à violência. Por outro lado, o garotinho briguento dos tempos de escola não conseguiu mudar sua compleição física. Continuou um magricela, um pedaço de gente, com estatura inferior a um metro e meio.
               Há algum tempo, nosso personagem resolveu montar um bar a que deu o nome de “Bar Social do Brabo”. Num pequeno salão de duas portas, instalou prateleiras e balcão, comprou geladeira, sinuca, mesas, cadeiras e adquiriu utensílios para servir tira-gostos. Ele atende lá na frente e sua mulher cuida dos afazeres da cozinha. A todos ele faz questão de dizer que o ambiente é familiar, em contradição com as atitudes das figuras femininas que lá freqüentam. O negócio tem andado de vento em popa, mas o Brabo, vez por outra, tem que apelar para a polícia vir restabelecer a ordem, em decorrência de algum arranca-rabo.
               Certo dia, o tempo fechou lá no bar do Brabo e a urgência foi atendida por uma guarnição da COE (Companhia de Operações Especiais), cujos componentes são selecionados a dedo. Só pode fazer parte da corporação quem tiver corpo agigantado e muita disposição na hora do quebra-pau. Vestem farda preta, são de pouca conversa e, dependendo da valentia do abordado, deixam o sujeito moído de peia.
               A guarnição atendeu com presteza ao chamado, mas um fato pouco comum aconteceu. Ao entrar no bar, um daqueles gigantes de dois metros de altura e massa corpórea de um mamute, foi logo fazendo a pergunta de praxe:
               - Quem é o brabo daqui?
               - Sou eu! – respondeu firmemente o Brabo, caminhando em direção ao soldado. Por infeliz coincidência, empunhava um pedaço de taco de sinuca que alguém houvera quebrado na hora da confusão e que ele acabara de apanhar do chão.   O brutamontes não quis papo. Sentiu-se ameaçado e desceu-lhe a mão aberta no tronco da orelha. O pobre do Brabo foi estatelar-se a uns oito metros de distância, completamente nocauteado, lá no meio da rua.
                - Comigo, brabeza é na porrada! Mais algum brabo por aqui? - arrematou desafiante o policial.
               Quem era doido de responder? Alguns presentes, porém, com muito jeito, apressaram-se em desfazer o equívoco e correram para acudir o coitado do Brabo que, totalmente zonzo, procurava identificar em que mundo se encontrava.
               Desfeito o tumulto, verificou-se que os baderneiros responsáveis pela confusão já estavam muito longe e o comandante da patrulha entabulava comovido um insistente pedido de desculpas pela violenta trapalhada.
               Vida afora, o Brabo se fez manso, mas infelizmente continua a carregar e a sofrer o peso da falsa brabeza de seu apelido.
                                                                                            

Um comentário:

Alma Acreana disse...

Meu caro amigo,
estou a rir aqui do Brabo!
Muito bom o conto!
Um outro livro nesse gênero cairia muito bem ao autor do Menino da Rua do Bagaço.

Um grande abraço!