sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

SOMOS TODOS DESONESTOS?

José de Anchieta Batista
Dia desses, na sala de espera do Aeroporto de Congonhas, um jovem de mais ou menos trinta e cinco anos, trajando paletó e gravata, bem penteado, barba por fazer,  levantou-se de repente de onde estava sentado, jogou o jornal no chão, subiu na cadeira  e se dirigiu aos presentes, com voz professoral e o dedo em riste, apontando para todos nós:
 - Não há exceção! Eu sou corrupto! Você é corrupto! Todo o mundo é corrupto! Não adianta negar! Não há santo nessa história! Somos um bando de ladrões!
Os presentes entreolharam-se intrigados com aquilo, enquanto uma senhora de idade avançada puxava-o cuidadosamente pelo braço, fazendo-o sentar-se. Pronto.  Após aquele breve e contundente discurso, voltou ao jornal como se nada houvesse acontecido. Só os curiosos olhares buscavam, continuamente,   o personagem daquele episódio.  Ele, porém, agora acomodado em sua cadeira, parecia alheio a tudo e a todos, com o olhar preso ao jornal. De repente, levantou-se novamente, foi até a lixeira da lanchonete e nela depositou o jornal inteirinho, após rasgá-lo folha por folha, esbravejando com muita revolta:
- Raça humana! Raça de víboras! Tinha razão o barbudinho da Galileia!
Sua mãe trouxe-o de volta até a cadeira e o fez sentar-se, segurando com carinho sua mão.
 A partir de então, permaneceu quieto, como se estivesse voando pelo infinito. Era como se não existisse nada nem ninguém ao seu redor.
Inicialmente, pensei que ele estivesse sob os efeitos do álcool ou de alguma outra droga, mas as atitudes seguintes convenceram-me de que sofria de algum distúrbio mental.
 Uma passageira que embarcaria para o mesmo destino, e que o conhecia, disse-nos, falando baixinho, que se  tratava de um ex-professor de  Antropologia que, há uns dois anos, mergulhara naquele estado de loucura, sem que ninguém soubesse os motivos. Nunca tivera comportamento agressivo com qualquer pessoa e já tentara suicídio por duas vezes.
 O professor permaneceu totalmente absorto, quieto, como se suas teses não mais merecessem qualquer consideração de sua parte. Durante todo o tempo, ali na sala de espera, não mais pronunciou uma única palavra sobre qualquer assunto. Manteve seu olhar fixo em algum ponto da paisagem exterior, até que tivesse vez o seu embarque para Salvador, sob os desvelos da mãe. Os dois sumiram numa das passarelas de acesso às aeronaves e, mentalmente, deles me despedi com um fraterno olhar. Enchi-me de uma indescritível simpatia por aquele ser humano que talvez nunca mais voltasse a encontrar.  Todavia,  aqueles pequenos mas incisivos pronunciamentos, externando sua revolta contra a raça humana, trouxeram-me, ali mesmo, momentos de valiosa reflexão.  Suas palavras pareciam ecoar insistentemente no enorme salão. Era como se  estivessem sendo repetidas a todo momento.
Intimamente, não concordei nem discordei das acusações que nos fez o professor.  Ademais, as afirmações vinham de alguém que não gozava de sanidade mental. Mesmo assim, analisei de que forma poderia admitir que todos nós éramos corruptos e que também éramos todos uma raça de víboras. Não, não podia ser! Ou melhor, pensando bem, talvez o fôssemos!
Lembrei-me de uma crônica de Hélio Schwartsman, na Folha de São Paulo, falando de corrupção. Encontrei no texto uma novidade, pelo menos para mim: um cientista que estudou as formigas detectou que em meio a elas havia comportamentos corruptos. Não sabia disso. Fiquei intrigado. Quer dizer que a safadeza, a pouca vergonha, a malandragem, não poupam sequer essas coletividades tidas como exemplares? Ó Deus! Se as formigas, que vêm ao mundo programadas para agirem instintivamente, sem desvios, praticam safadezas, de que não será capaz o ser humano?
Veio-me, então, a figura do Macário, um velho amigo, de Belém do Pará, que sempre repetia:
 - Anchieta, mesmo que não esteja passando por necessidades, dependendo das facilidades, qualquer ser humano vira ladrão. É da raiz de nossa raça!
E concluía o velho Macário:
- Amigo, desconfie sempre do sujeito que bate no peito e se coloca no pedestal da honestidade. Geralmente é mais safado do que os outros!
Nunca me posicionei contra o Macário, mas também nunca me confessei adepto de suas teorias. Achava-as muito radicais.
Já faz alguns dias do episódio de Congonhas. Continuo, porém, a matutar sobre o conteúdo daquelas miniaulas do professor de Antropologia.  É como se ele houvesse  passado um dever de casa, que eu não consigo concluir.

Será mesmo verdade que somos todos desonestos?

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