José de Anchieta Batista
Dia
desses, na sala de espera do Aeroporto de Congonhas, um jovem de mais ou menos trinta
e cinco anos, trajando paletó e gravata, bem penteado, barba por fazer, levantou-se de repente de onde estava
sentado, jogou o jornal no chão, subiu na cadeira e se dirigiu aos presentes, com voz
professoral e o dedo em riste, apontando para todos nós:
- Não há exceção! Eu sou corrupto! Você é
corrupto! Todo o mundo é corrupto! Não adianta negar! Não há santo nessa
história! Somos um bando de ladrões!
Os
presentes entreolharam-se intrigados com aquilo, enquanto uma senhora de idade
avançada puxava-o cuidadosamente pelo braço, fazendo-o sentar-se. Pronto. Após aquele breve e contundente discurso, voltou
ao jornal como se nada houvesse acontecido. Só os curiosos olhares buscavam, continuamente, o
personagem daquele episódio. Ele, porém,
agora acomodado em sua cadeira, parecia alheio a tudo e a todos, com o olhar
preso ao jornal. De repente, levantou-se novamente, foi até a lixeira da
lanchonete e nela depositou o jornal inteirinho, após rasgá-lo folha por folha,
esbravejando com muita revolta:
-
Raça humana! Raça de víboras! Tinha razão o barbudinho da Galileia!
Sua
mãe trouxe-o de volta até a cadeira e o fez sentar-se, segurando com carinho
sua mão.
A partir de então, permaneceu quieto, como se estivesse
voando pelo infinito. Era como se não existisse nada nem ninguém ao seu redor.
Inicialmente,
pensei que ele estivesse sob os efeitos do álcool ou de alguma outra droga, mas
as atitudes seguintes convenceram-me de que sofria de algum distúrbio mental.
Uma passageira que embarcaria para o mesmo
destino, e que o conhecia, disse-nos, falando baixinho, que se tratava de um ex-professor de Antropologia que, há uns dois anos, mergulhara
naquele estado de loucura, sem que ninguém soubesse os motivos. Nunca tivera
comportamento agressivo com qualquer pessoa e já tentara suicídio por duas
vezes.
O professor permaneceu totalmente absorto, quieto,
como se suas teses não mais merecessem qualquer consideração de sua parte. Durante
todo o tempo, ali na sala de espera, não mais pronunciou uma única palavra
sobre qualquer assunto. Manteve seu olhar fixo em algum ponto da paisagem
exterior, até que tivesse vez o seu embarque para Salvador, sob os desvelos da
mãe. Os dois sumiram numa das passarelas de acesso às aeronaves e, mentalmente,
deles me despedi com um fraterno olhar. Enchi-me de uma indescritível simpatia
por aquele ser humano que talvez nunca mais voltasse a encontrar. Todavia,
aqueles pequenos mas incisivos pronunciamentos, externando sua revolta
contra a raça humana, trouxeram-me, ali mesmo, momentos de valiosa reflexão. Suas palavras pareciam ecoar insistentemente no
enorme salão. Era como se estivessem
sendo repetidas a todo momento.
Intimamente,
não concordei nem discordei das acusações que nos fez o professor. Ademais, as afirmações vinham de alguém que
não gozava de sanidade mental. Mesmo assim, analisei de que forma poderia
admitir que todos nós éramos corruptos e que também éramos todos uma raça de
víboras. Não, não podia ser! Ou melhor, pensando bem, talvez o fôssemos!
Lembrei-me
de uma crônica de Hélio Schwartsman, na Folha de São Paulo, falando de
corrupção. Encontrei no texto uma novidade, pelo menos para mim: um cientista
que estudou as formigas detectou que em meio a elas havia comportamentos
corruptos. Não sabia disso. Fiquei intrigado. Quer dizer que a safadeza, a
pouca vergonha, a malandragem, não poupam sequer essas coletividades tidas como
exemplares? Ó Deus! Se as formigas, que vêm ao mundo programadas para agirem
instintivamente, sem desvios, praticam safadezas, de que não será capaz o ser
humano?
Veio-me,
então, a figura do Macário, um velho amigo, de Belém do Pará, que sempre
repetia:
- Anchieta, mesmo que não esteja passando por
necessidades, dependendo das facilidades, qualquer ser humano vira ladrão. É da
raiz de nossa raça!
E
concluía o velho Macário:
-
Amigo, desconfie sempre do sujeito que bate no peito e se coloca no pedestal da
honestidade. Geralmente é mais safado do que os outros!
Nunca
me posicionei contra o Macário, mas também nunca me confessei adepto de suas
teorias. Achava-as muito radicais.
Já
faz alguns dias do episódio de Congonhas. Continuo, porém, a matutar sobre o conteúdo
daquelas miniaulas do professor de Antropologia. É como se ele houvesse passado um dever de casa, que eu não consigo
concluir.
Será
mesmo verdade que somos todos desonestos?
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