sábado, 23 de maio de 2015

VAMOS COISAR?

 (*) José de Anchieta Batista

Li, dia desses,  em algum canto,  alguém se referindo ao verbo “COISAR”. Permitam-me também abordar essa verdadeira preciosidade. Este verbo é o que se pode chamar de verbo universal. Ele significa qualquer ação, qualquer coisa que você pretenda dizer.
- Menino, vai coisar o fogão ! – grita a mãe.  
- Já coisei, mãe! – responde-lhe o pirralho.
Que ação praticou o menino lá no fogão? 
Bem, com certeza mãe e filho se entenderam. Quem está de fora do mundo deles nada captou, mas alguma ação foi ali praticada e significou simplesmente COISAR.  Se o fogão foi aceso, foi apagado, foi coberto com uma toalha, foi colocado noutro local etc., quem está alheio ao contexto não sabe, mas o menino coisou  o fogão. E coisou certinho, porque senão a mãe haveria gritado novamente:
- Vá coisar o fogão direito, seu moleque! 
E assim é o verbo coisar. Um verbo regular, ou seja, conjuga-se sem muita dificuldade. Ninguém precisa se preocupar com os detalhes daquelas aulas chatas de Português. 
Não há dúvida de que COISAR é mesmo um curinga. Cabe ao interlocutor traduzir o intento do outro.  O importante é saber o que vai ser coisado e como COISAR.
Durante os grandes problemas das enchentes, o movimento  no Parque de Exposições do Acre era enorme. Rio Branco só possuía uma agenda diária: socorrer os necessitados. Servidores do Estado e da Prefeitura, além de uma quantidade enorme de outros voluntários, iam e vinham acomodando os desabrigados. Caminhões e camionetes, com os pertences dos mais  atingidos pelo flagelo, entravam e saíam incessantemente do Parque.  Equipes revezavam-se no acolhimento e na acomodação das famílias. Outras se ocupavam com as práticas de rotina, tais como, limpeza e higiene das instalações, distribuição de refeições, abastecimento de água, cuidados com as mamães e com seus recém-nascidos, divertimentos para as crianças etc. Somavam-se aos dedicados socorristas, profissionais de saúde, assistentes sociais, policiais, bombeiros, artistas, etc., todos imbuídos de um único propósito: amenizar o sofrimento de nossos semelhantes, tristemente atingidos pela calamidade. Assim, todos coisavam alguma coisa em benefício dos irmãos.
Havia no Parque de Exposições uma grande organização para COISAR tudo, tanto no emprego dos espaços, como nos serviços de rotina e em outras tarefas eventuais. Salvo algum imprevisto, tudo funcionava a contento.  Era um exemplo merecido  de ser copiado por equipes de outros Estados para utilizarem nos eventuais e parecidos momentos de aflições. Aliás, esta opinião foi externada pelo Ministro Gabas, da Previdência, quando visitou aqueles abrigos. Gabas retornou a Brasília com a certeza de que ninguém no Brasil sabe COISAR as dificuldades das enchentes melhor do que os acreanos. 
E em meio a tudo isso, certamente que ali no Parque de Exposições, o nosso verbo COISAR esteve também abrigado, sobremodo  nos bate-papos mais comuns. E temos exemplo disso:  
Certa manhã, ao cumprirem rotinas diárias, duas assistentes sociais buscavam COISAR informações com o objetivo de melhorar a vida dos que estavam abrigados ali. E como o ser humano parece não se conformar com nada, apareceram reclamações de todo tipo. Dentre tantas, houve quem reclamasse da televisão sem  sinal HD, da refeição servida em “marmitex” e não em pratos, do uso de margarina em lugar da manteiga, do leite em pó por não ser da marca Ninho... e por aí vai.  
Uma insatisfação, porém, foi a que mais trouxe espanto às moças que faziam as entrevistas. Uma cinquentona, barraqueira juramentada, sequer baixou a voz, ao COISAR sua reclamação:
- Iscute, moça! Eu priciso de um ispaço mió. Quero tombém trocá essa cama por outa menos ringideira.  Quando eu e Tiburço vamo COISÁ,  esse povo aí  fica tudo  tirano sarro de noz. Eu, hein! Não dá nem pra COISÁ im paz! Qui coisa!
Amigos, este verbo COISAR é estupendo!

 (*) Acreibano, poeta, escritor, viajor do tempo.

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