sábado, 30 de maio de 2015

HOMEM - O BAGUNCEIRO DA CRIAÇÃO


(*) José de Anchieta Batista

Repentinamente, Deus, do alto da magnitude suprema e virtual de seu próprio Ser, sentiu-se entediado ante aquela enfadonha, ociosa e solitária tranquilidade do nada existir, a não ser Ele mesmo. Saltou de seu repouso eterno, coçou seus cabelos brancos, alisou suas barbas compridas, e saiu por aí, como um garoto peralta,  arquitetando e dando forma a tudo o que existe.  Iniciou tudo com um grito, em meio à grande escuridão do nada. E não tendo onde ecoar, aquele brado de incalculáveis decibéis ressoou dentro de seu próprio espírito: - Faça-se a luz!  
Pronto! A luz foi feita. Trabalhar na claridade é sempre muito melhor.  
Sua primeira criação foi também a primeira mágica de que se tem notícia. Aquele “fiat lux” significou verdadeiramente a primeira magia do Universo. E a magia foi, por conseguinte, o primeiro ato divino praticado na composição de seu projeto. Sem prestidigitação e sem qualquer ação de  ilusionismo, buscou Deus dentro do nada,  tudo o que passou a existir. Abracadabra! – repetiu inúmeras vezes o mágico supremo. 
Não sabemos como, mas o nada estava repleto de conteúdos. E foi, portanto, o nada, a magnífica cartola onde Deus, com sua varinha de condão,  foi buscar todas as coisas. Dentre suas primeiras ocupações, fez surgir a expansão infinita dos céus, sobre a expansão infinita das águas.  Muitas águas cobrindo tudo.  E Deus sentiu necessidade de separá-las, para que fosse possível emergir a terra, onde o esplendor da existência também haveria de brotar.  E aquela exuberante vastidão dos campos, o verdor das matas, os recém-criados animais terrestres, a música divina dos passarinhos, a sinfonia das cascatas, o céu de verão... tudo, tudo, fazia daquelas novidades um esplendoroso e  divino cenário. 
Mas, a vastidão dos céus ainda parecia em penumbra. Carecia de maior beleza e suntuosidade para fascinação de nossos olhos e de nossas almas, aqui embaixo.  E Deus pintou, lá na abóbada celeste, os pontinhos incandescentes para iluminar e enfeitar sua majestosa criação.  Assim, o Criador foi, em tudo, um diretor zeloso e perfeccionista, nos detalhes e no preparo do teatro em que passaria a ser encenada,  eternamente, a divina ópera que compôs.
Por ser o maior dos poetas, Deus fez aquilo tudo, como se  escrevesse um primeiro e maravilhoso  poema, que se faria eternamente inacabado. Por vezes romântico, por vezes trágico, por vezes indecifrável, há sempre alguns versos ocultos que vão sendo acrescidos pela eternidade afora à esplêndida epopeia divina. 
Grande espetáculo! 
Mas, no maravilhoso teatro, não havia ainda uma plateia para bater palmas. Que pena! Bem que o merecia. Não sendo exibicionista, Deus fez tudo buscando o prazer de seu próprio espírito. 
Contudo, ante tanto esplendor e tanta perfeição, Deus precisava de um gerente. Necessitava de alguém com inteligência, que fosse sua imagem e semelhança, para ocupar, zelar e ajudá-lo no prosseguimento de sua obra.
Pronto! Criou o homem! Que maravilha!
Passado o tempo, nosso soberano Criador vive, lá em cima,  a questionar-se se criar o homem foi verdadeiramente a melhor das ideias.

(*) Acreibano, poeta, escritor, viajor do tempo.

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