(*) José de Anchieta Batista
Repentinamente, Deus, do alto da magnitude suprema e virtual de seu próprio Ser, sentiu-se entediado ante aquela enfadonha, ociosa e solitária tranquilidade do nada existir, a não ser Ele mesmo. Saltou de seu repouso eterno, coçou seus cabelos brancos, alisou suas barbas compridas, e saiu por aí, como um garoto peralta, arquitetando e dando forma a tudo o que existe. Iniciou tudo com um grito, em meio à grande escuridão do nada. E não tendo onde ecoar, aquele brado de incalculáveis decibéis ressoou dentro de seu próprio espírito: - Faça-se a luz!
Pronto! A luz foi feita. Trabalhar na claridade é sempre muito melhor.
Sua primeira criação foi também a primeira mágica de que se tem notícia. Aquele “fiat lux” significou verdadeiramente a primeira magia do Universo. E a magia foi, por conseguinte, o primeiro ato divino praticado na composição de seu projeto. Sem prestidigitação e sem qualquer ação de ilusionismo, buscou Deus dentro do nada, tudo o que passou a existir. Abracadabra! – repetiu inúmeras vezes o mágico supremo.
Não sabemos como, mas o nada estava repleto de conteúdos. E foi, portanto, o nada, a magnífica cartola onde Deus, com sua varinha de condão, foi buscar todas as coisas. Dentre suas primeiras ocupações, fez surgir a expansão infinita dos céus, sobre a expansão infinita das águas. Muitas águas cobrindo tudo. E Deus sentiu necessidade de separá-las, para que fosse possível emergir a terra, onde o esplendor da existência também haveria de brotar. E aquela exuberante vastidão dos campos, o verdor das matas, os recém-criados animais terrestres, a música divina dos passarinhos, a sinfonia das cascatas, o céu de verão... tudo, tudo, fazia daquelas novidades um esplendoroso e divino cenário.
Mas, a vastidão dos céus ainda parecia em penumbra. Carecia de maior beleza e suntuosidade para fascinação de nossos olhos e de nossas almas, aqui embaixo. E Deus pintou, lá na abóbada celeste, os pontinhos incandescentes para iluminar e enfeitar sua majestosa criação. Assim, o Criador foi, em tudo, um diretor zeloso e perfeccionista, nos detalhes e no preparo do teatro em que passaria a ser encenada, eternamente, a divina ópera que compôs.
Por ser o maior dos poetas, Deus fez aquilo tudo, como se escrevesse um primeiro e maravilhoso poema, que se faria eternamente inacabado. Por vezes romântico, por vezes trágico, por vezes indecifrável, há sempre alguns versos ocultos que vão sendo acrescidos pela eternidade afora à esplêndida epopeia divina.
Grande espetáculo!
Mas, no maravilhoso teatro, não havia ainda uma plateia para bater palmas. Que pena! Bem que o merecia. Não sendo exibicionista, Deus fez tudo buscando o prazer de seu próprio espírito.
Contudo, ante tanto esplendor e tanta perfeição, Deus precisava de um gerente. Necessitava de alguém com inteligência, que fosse sua imagem e semelhança, para ocupar, zelar e ajudá-lo no prosseguimento de sua obra.
Pronto! Criou o homem! Que maravilha!
Passado o tempo, nosso soberano Criador vive, lá em cima, a questionar-se se criar o homem foi verdadeiramente a melhor das ideias.
(*) Acreibano, poeta, escritor, viajor do tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário