domingo, 17 de julho de 2016

SEM OXIGÊNIO E SEM ASSUNTO

(Anchieta)
Cumpro sempre, nas manhãs dos sábados, a obrigação semanal de enviar ao jornal “Página 20”, em Rio Branco – Acre, algo que ocupe o domingueiro Espaço do Anchieta.
Hoje é exatamente um sábado.  Estou em casa há nove dias, umidificador ligado, nebulizador junto à rede, uma drogaria sobre o criado-mudo, enfrentando a agudez desta seca, sob o suplício deste maldito cheiro de fumaça. Não olhei as estatísticas sobre as queimadas em 2016, mas meu enfisema pulmonar acusa que as labaredas continuam por aí. Alguns loucos permanecem queimando tudo.
E em meio a esta falta de ar, minha crônica não cria vida. Já tentei vários assuntos, mas de repente paro, tusso um pouco, deleto tudo, e fico com os dedos sobre o teclado, esperando alguma coisa que me incentive. Nada vem.
Neste mundo que parece caminhar ao deus-dará, não me deviam faltar assuntos para escrever, sobretudo porque, a cada minuto, alguma selvageria, algum ato de desumanidade, alguma maluquice sem limites, ocupa a tela das televisões. A própria Mãe Natureza se encarrega de responder, por meio de catástrofes, as insanidades humanas. Notícias que nos tragam alegrias, que nos falem de paz, que fomentem o amor, são pouquíssimas. As desgraças desfilam aos montes, poluindo sempre mais as nossas mentes, como se tudo agora tivesse por finalidade destruir, de forma rápida e absoluta, as résteas de esperanças ainda existentes em nossos corações.
Por expressar-me assim, meus amigos, não pensem que me tornei um desesperançado. Ultimamente, até que tenho buscado motivar, a mim e a meus semelhantes, perdidos que estamos, um retorno para nós mesmos, pelo caminho do amor e da paz.
Há uma oração tradicional de nossa Igreja Católica, a “Salve Rainha”, um misto de louvação e súplica, dirigida à mãe de Jesus, em que se implora dela a maternal ajuda, em razão de vivermos “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”.  
Então, amigos, neste “vale de lágrimas”, sobre o que devo escrever hoje?  Juro que ainda não sei! Abro os ouvidos para as notícias da Globonews e os principais enfoques são as duas mais recentes e cruéis desgraças: as mortes provocadas por um maluco que atropelou propositalmente muitos irmãos franceses na cidade de Nice, e um golpe militar na Turquia. Mortes, mortes e mortes! Até pensei em dedicar mais uma página de meus escritos a esses horrores de nosso imenso hospício. Mas, não. Hoje não me animei escrever sobre nada disso.
No Brasil, muitas coisas aconteceram durante a semana, todas provenientes do caos aqui instalado, sob o signo da pouca-vergonha e do desrespeito ao povo brasileiro. Embora tenha certeza de que o Comando Superior, Deus como eu concebo, esteja passando tudo a limpo, o que é muito salutar, também não me animei a escrever sobre o mau-cheiro dessas podridões.
Peço para não pensarem que a indiferença e a desesperança tomaram conta de mim, diante desta realidade maluca que nos cerca. Não. Não é bem isso. É que as irritações, as decepções e as raivas fazem muito mais agudas minhas crises respiratórias. Preferi, então, no dia de hoje, poupar-me um pouco, deixando de lado as insanidades humanas e as bandalheiras que nos decepcionam e revoltam todos os dias.  Creiam, porém, que está bem viva em mim aquela angústia indescritível que nos sufoca muito mais quando nos tornamos septuagenários.
E por falar em sufoco, arrisquei-me, quase agorinha, a abrir a janela de meu quarto. Estava lá fora o cinzento, enfumaçado e poluído céu do Quinari, recanto do mundo onde me escondo. Esbravejei furiosamente, contra tudo e contra todos, e me tranquei novamente, o mais rápido que pude, para ocupar-me de meu costumeiro ritual de nebulização.
Amigos, acho que valeu positivamente a ausência de um assunto específico com que me ocupar, pois foi assim que nasceu esta crônica, tratando de tudo, sem falar de nada.
Ah! Ia-me esquecendo:
- Aos que supõem que estou moribundo, ou quase isso, peço que retirem este pensamento urgentemente da cabeça. Pela conversa que mantive, nesta madrugada, com o Dono deste Sagrado Sanatório, a Terra, recebi como diagnóstico a necessidade de permanecer aqui por mais trinta anos.   Não sei se isto é bom ou ruim – Ele é que sabe – mas tenho de me acalmar diante disso tudo, pois ainda serei testemunha de muita coisa debaixo destes céus.

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