(Anchieta)
Cumpro
sempre, nas manhãs dos sábados, a obrigação semanal de enviar ao jornal “Página
20”, em Rio Branco – Acre, algo que ocupe o domingueiro Espaço do Anchieta.
Hoje
é exatamente um sábado. Estou em casa há
nove dias, umidificador ligado, nebulizador junto à rede, uma drogaria sobre o
criado-mudo, enfrentando a agudez desta seca, sob o suplício deste maldito cheiro
de fumaça. Não olhei as estatísticas sobre as queimadas em 2016, mas meu
enfisema pulmonar acusa que as labaredas continuam por aí. Alguns loucos permanecem
queimando tudo.
E
em meio a esta falta de ar, minha crônica não cria vida. Já tentei vários
assuntos, mas de repente paro, tusso um pouco, deleto tudo, e fico com os dedos
sobre o teclado, esperando alguma coisa que me incentive. Nada vem.
Neste
mundo que parece caminhar ao deus-dará, não me deviam faltar assuntos para escrever,
sobretudo porque, a cada minuto, alguma selvageria, algum ato de desumanidade,
alguma maluquice sem limites, ocupa a tela das televisões. A própria Mãe Natureza
se encarrega de responder, por meio de catástrofes, as insanidades humanas. Notícias
que nos tragam alegrias, que nos falem de paz, que fomentem o amor, são
pouquíssimas. As desgraças desfilam aos montes, poluindo sempre mais as nossas
mentes, como se tudo agora tivesse por finalidade destruir, de forma rápida e absoluta,
as résteas de esperanças ainda existentes em nossos corações.
Por
expressar-me assim, meus amigos, não pensem que me tornei um desesperançado. Ultimamente,
até que tenho buscado motivar, a mim e a meus semelhantes, perdidos que estamos,
um retorno para nós mesmos, pelo caminho do amor e da paz.
Há
uma oração tradicional de nossa Igreja Católica, a “Salve Rainha”, um misto de
louvação e súplica, dirigida à mãe de Jesus, em que se implora dela a maternal
ajuda, em razão de vivermos “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”.
Então,
amigos, neste “vale de lágrimas”, sobre o que devo escrever hoje? Juro que ainda não sei! Abro os ouvidos para
as notícias da Globonews e os
principais enfoques são as duas mais recentes e cruéis desgraças: as mortes
provocadas por um maluco que atropelou propositalmente muitos irmãos franceses
na cidade de Nice, e um golpe militar na Turquia. Mortes, mortes e mortes! Até
pensei em dedicar mais uma página de meus escritos a esses horrores de nosso imenso
hospício. Mas, não. Hoje não me animei escrever sobre nada disso.
No
Brasil, muitas coisas aconteceram durante a semana, todas provenientes do caos
aqui instalado, sob o signo da pouca-vergonha e do desrespeito ao povo
brasileiro. Embora tenha certeza de que o Comando Superior, Deus como eu
concebo, esteja passando tudo a limpo, o que é muito salutar, também não me
animei a escrever sobre o mau-cheiro dessas podridões.
Peço
para não pensarem que a indiferença e a desesperança tomaram conta de mim, diante
desta realidade maluca que nos cerca. Não. Não é bem isso. É que as irritações,
as decepções e as raivas fazem muito mais agudas minhas crises respiratórias.
Preferi, então, no dia de hoje, poupar-me um pouco, deixando de lado as
insanidades humanas e as bandalheiras que nos decepcionam e revoltam todos os
dias. Creiam, porém, que está bem viva em
mim aquela angústia indescritível que nos sufoca muito mais quando nos tornamos
septuagenários.
E
por falar em sufoco, arrisquei-me, quase agorinha, a abrir a janela de meu
quarto. Estava lá fora o cinzento, enfumaçado e poluído céu do Quinari, recanto
do mundo onde me escondo. Esbravejei furiosamente, contra tudo e contra todos,
e me tranquei novamente, o mais rápido que pude, para ocupar-me de meu
costumeiro ritual de nebulização.
Amigos,
acho que valeu positivamente a ausência de um assunto específico com que me
ocupar, pois foi assim que nasceu esta crônica, tratando de tudo, sem falar de
nada.
Ah!
Ia-me esquecendo:
-
Aos que supõem que estou moribundo, ou quase isso, peço que retirem este pensamento
urgentemente da cabeça. Pela conversa que mantive, nesta madrugada, com o Dono
deste Sagrado Sanatório, a Terra, recebi como diagnóstico a necessidade de
permanecer aqui por mais trinta anos. Não sei se isto é bom ou ruim – Ele é que sabe
– mas tenho de me acalmar diante disso tudo, pois ainda serei testemunha de
muita coisa debaixo destes céus.
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