sábado, 10 de setembro de 2016

TEMER - MORDOMO DE FILME DE TERROR

Minha visão é a de que, no julgamento de Dilma Rousseff, mesmo que tenha sido cumprido o ritual legalmente previsto, não tivemos algo limpo, nem ali esteve presente a balança da justiça. Ressalto isto, mas não quero aqui me prender a maiores detalhes da destituição compulsória de que ela foi vítima. Tampouco desejo, mesmo que minimamente, criar uma discussão sobre os erros e acertos de sua administração, se a companheira governou bem ou mal, se merecia ser absolvida ou não. E embora convivendo no mesmo lado político, não pretendo aqui esgoelar-me inutilmente em seu favor, visto que tudo está consumado, e de forma irreversível. Meu alvo aqui é outro.
No ritual da autêntica inquisição parlamentar, instalada em nossas mais altas casas legislativas, Dilma Rousseff foi defendida com maestria, brilhantismo e competência pelo eminente advogado José Eduardo Cardozo. Tudo ficou desnudado, mostrou-se a verdade, mas não teve jeito. A farsa, devidamente travestida com a indumentária constitucional, foi antecipadamente preparada, e o resultado haveria de ser um só: seu impedimento de continuar gerindo os destinos do Brasil.
Em qualquer ambiente sério do mundo, os fatos, ali esmiuçados e debatidos, resultariam na comprovação de que as alegadas acusações não traziam em si a gravidade suficiente para arrebatar-lhe a cadeira outorgada pelo povo. Não havia crime. Tudo era forjado. Muitos de seus próprios julgadores já haviam cometido, quando governantes, as mesmíssimas falhas ou equívocos. Mas, de forma ardilosa, tudo estava arquitetado para defenestrar Dilma. Muitas daquelas figuras não tinham qualquer condição moral para julgá-la. Outros, de dedo em riste, trajados de vestais e pousando de bons moços, pareciam não ser o que verdadeiramente eram:  ladrões do dinheiro do povo. Também não podiam julgá-la. Não tinham moral para atirar a primeira pedra. Mas com deslavado cinismo e pouca vergonha, julgaram-na. Em momento algum, porém, aqueles furiosos algozes, ousaram acusá-la de corrupta. O julgamento foi até o fim, e nada atenuou o chicotear de seus verdugos. Os olhos e os ouvidos daquela gente estavam propositadamente fechados hermeticamente.
Enquanto tudo era levado a efeito, algo se fazia bem nítido em cada episódio ali acontecido. Por trás de tudo, existiam movimentações estranhas para garantir que o roteiro seria cumprido com sucesso. Michel Temer, com seus coadjuvantes de ocasião, todos frios, astutos, calculistas, agressivos, verborrágicos e igualmente famulentos pelo poder, esgueiravam-se atuantes, à luz do dia ou mesmo nas sombras.
Na tarde do dia 31 de agosto deste 2016, o Senado Federal afastou, de forma definitiva, por 61 votos a 20, a presidente da República, pelo povo eleita com mais de 54 milhões de votos.
Mas o ritual não estava terminado. Uma malandragem foi colocada em prática. Por sugestão do próprio Renan Calheiros, presidente da Casa, fez-se uma segunda votação para garantir, à presidente deposta, o direito de continuar a exercer funções públicas. E, ao contrário da votação anterior, a nova proposta saiu vitoriosa.
Que generosidade deles! Não, não foi isto. Não houve um gesto de bondade, nem um ato de justiça. Aquilo era uma manobra. Não podiam desperdiçar tão maravilhosa oportunidade. Precisavam aproveitar o momento para produzir algo que beneficiasse, em julgamentos futuros, figuras mafiosas, como Eduardo Cunha e outros deputados e senadores, na mira da operação “Lava-Jato”. Em vez de uma ação de benevolência com Dilma, tratava-se, na verdade, de uma jogada espúria. A própria Dilma externou sua estranheza diante daquele gesto inesperado.
Não muito distante dali, Temer assistia, inquieto e ansioso, lá no Palácio do Jaburu, ao desfecho daquele jogo de cartas marcadas. Precisava consumar de vez o seu intento e viajar ainda naquela noite para a China, como presidente efetivo. E realmente viajou. Foi comemorar e bazofiar por aí, feliz da vida com mais esta vitória da insensatez e da hipocrisia da politicalha brasileira.
A respeito deste personagem chamado Michel Temer, o senador Antonio Carlos Magalhães, falecido em 2007, perspicaz raposa da nojenta política brasileira, num embate de agressões verbais, descreveu-o em pouquíssimas palavras:
- “Não me impressiona sua pose de mordomo de filme de terror”.

Impossível que alguém fizesse uma descrição mais adequada. Ele não tem somente a pose. Tudo nele externa um quê fantasmagórico, carregado dos mistérios de quem se move nas sombras da noite. Traz consigo um semblante imperturbável de quem sabe mascarar emoções, e em sua bandeja maligna de “mordomo de filme de terror” estão os licores envenenados. O diagnóstico que fez o velho político baiano foi sintético, mas altamente descritivo. Michel Temer, com seu jeitão esfíngico e indefinível, faz qualquer um se sentir diante dos mordomos de filmes do Hitchcock.

O Temer, pelos caminhos normais, jamais seria presidente de nosso País. Não teria estatura para isso. Ser vice-presidente, por duas vezes, significou nada menos que duas tentativas pré-concebidas para se tornar presidente. É como se diz: armou e deu certo. Dilma caiu na armadilha. O Temer montou tudo, desleal e sorrateiramente, como sempre agem os mordomos de filme de terror. Fez valer sua caricatura grotesca, descrita pelo famoso e histórico senador. Arquitetou, juntamente com seus coadjuvantes, nos enormes e soturnos subterrâneos desta mansão chamada Brasil, a conspiração, a música fúnebre, o ritual macabro do grande episódio que culminou com a queda de Dilma Rousseff. Ainda bem que já não vivemos mais no tempo da forca, da guilhotina, da fogueira, do fuzilamento.
Olho agora para a grande mansão que abriga a síntese maior da politicalha nacional. O mordomo, rodeado de asseclas, com um sorriso maroto num recanto da boca, ri-se de todos, orgulhoso da vergonhosa façanha. Muito além dos segredos, das assombrações e das almas penadas do velho casarão, ele conhece meticulosamente cada palmo dos jardins, dos bosques, dos pomares, dos esconderijos, dos subterrâneos, das entradas e saídas secretas da velha edificação. É familiarizado, não só com os vassalos e serviçais, mas também com os desvios das regras de convivência do velho palácio. Assim, lhe foi fácil arquitetar a grande sacada para assumir o lugar maior como mandatário da mansão.
Agora, malgrado seu, grande parte dos moradores das terras do grande castelo não vê legitimidade e não o aceita como novo mandatário, exigindo sua imediata substituição.

Cuidado, Senhor Michel: Ao final das fitas de cinema, o “mordomo do filme de terror” tem sempre suas próprias maldades voltadas contra si.

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