(*)
José de Anchieta Batista
Fui criança, fui adolescente, fiz-me
adulto, vaguei por estes Brasis e, finalmente, me tornei um velho. Sou agora um
idoso, com o peso, os “privilégios” e as proibições que a idade impõe, ouvindo
a todo momento um rosário de “não pode isso”, “não pode aquilo”.
Viajo no tempo até minha
infância. Lá está Dona América, minha cuidadosa e amada mãe. Lá está Seu
Batista, meu honrado pai e meu primeiro herói. Lá estão meus irmãos, minhas
irmãs, meus colegas, minhas professorinhas.
Ontem, era eu um menino, com
meu pequeno universo, minhas curiosidades, minhas travessuras, minhas
fantasias. Nascido em meados do século passado, tornei-me ancião, e nem senti o
tempo passar. Mas ele passou ... e quase com a duração de um relâmpago. Foi
assim mesmo, minha gente. Realmente eu nem percebi a correria desembestada com
que os anos se foram. E me vejo hoje, não mais que de repente, aproximando-me
dos setenta e dois anos de vida.
Parece mentira, mas os
detalhes daquele mundo longínquo vieram grudados em mim, como se fossem
tatuagens irremovíveis. Conduzo uma espécie de museu, onde vou guardando minhas
quinquilharias afetivas. É ali que está armazenado o meu vivíssimo arquivo de
recordações.
Na verdade, é bem chocante
admitir que o tempo passou. Mas passou. E
diante disso, o que me restou de tudo aquilo que me embalou na mais tenra
idade?
Lá estão, em meu áspero Sertão
da Paraíba, o povoado de Aparecida, onde sou hoje um mero desconhecido, a rua
onde morei, o grupo escolar, o Rio do Peixe, a velha ponte, os pés de oiticica,
o caminho para o roçado de meu pai, o campo de futebol, as fogueiras de São
João, os brinquedos que eu mesmo fazia, meus animais de estimação, e tudo o
mais.
E aqui vou eu carregando o meu
matulão, com o que juntei em minha estrada. Não sei quem hoje sou, haja vista a
imensa metamorfose que me foi imposta nos caminhos que percorri. Avalio tudo,
de ponta a ponta, e me vem a certeza de que me tornei um enigma que não sei
decifrar. Sinto-me a síntese de tudo que vivi. Sou um mosaico em que os pedaços
não se somam com similitude e harmonia. As regras, diabólicas ou benfazejas, da
tão hipócrita sociedade, os momentos da vida, as pessoas, as coisas, foram me falseando
a essência, com as suas imposições mexendo em minha idiossincrasia, e deixando
em mim seus fragmentos, suas cores, seus odores, suas alegrias, seus sofreres, tudo
colado em meu eu, à maneira dos carrapichos que se prendem às nossas vestes. Hoje
estou somado a tudo isso, e vejo que me tornei nada mais nada menos do que a
média inexata de tudo. O que me alivia o
fardo são minhas convicções espiritualistas de que tudo continua depois da “morte”,
quando poderei ainda melhorar os dados de minhas contas, diante da Contabilidade
Universal.
O tempo realmente passou,
fazendo de mim um colecionador de momentos bons e ruins.
Lá está minha primeira
namorada e meu primeiro amor; lá estão minhas paixões e meus sonhos de
adolescente, e lá estão meus amigos, muitos dos quais nunca mais encontrei.
Sofri o diabo pela vida afora,
mas consegui sobreviver a tudo, buscando sempre não expulsar de mim a criança
que fui, nem o mundo que a cercava. Nesse
caminhar, amei, fui amado, sorri, chorei, lutei como um maluco e, em tudo, fui
herói e vilão ao mesmo tempo. Não atingi a tão apregoada Sabedoria, que deveria
estar comigo na velhice. Simplesmente não a encontrei, porque diante da verdade
maior, não tinha os “olhos de ver” nem os “ouvidos de ouvir”. E certamente por
causa disso não plantei nem colhi o que Deus esperava de mim. Acho que agora já
não dá mais tempo.
Ah, meu Deus, por que passou o
tempo? Sequer pude compreender o real significado da vida.
Estas minhas reflexões são
feitas, como se repentinamente eu acordasse, possuído de enorme ressaca, esfregasse
os olhos, identificasse o mundo em derredor e, por fim, ouvisse a realidade
gritar aos meus ouvidos:
- Seu babaca, o tempo passou!
Agora quase tudo virou
reminiscências. E eu não consigo revirar minha bagagem, cheia dessas
quinquilharias, sem que os momentos já vividos não doam em minha alma.
É, amigos. Parece meio louco
este meu sentir, mas os espectros de toda a caminhada estão vivíssimos em mim.
Nada morreu, tudo viaja comigo, aqui no meu matulão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário