segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

CAPOEIRA DAS ÉGUAS - Por Valdeci Duarte

(Coluna "Prosa Poética" do Jornal Página 20 de 15/01/2017)


Valdeci Duarte
Tomei conhecimento desta obra ainda no seu lançamento, em Janeiro de 2015 e estava na expectativa de leitura e comentário à altura. Felizmente chegou o momento. Trata-se de um relato emocionante sobre esta cidadezinha da Paraíba, uma história contada por um genuíno paraibano, o mestre das letras, José de Anchieta Batista, que há muitos anos reside em terras acreanas.
Logo nas primeiras folhas o autor faz questão de esclarecer alguns pontos do seu enredo, inclusive apresentando alguns personagens centrais da trama, como o Sargento Neves, o garoto Dino e a menina Celina. Ainda comenta sobre os lugares comuns em todo o romance, como o lugarejo que à época se chamava Capoeira das Éguas, que no final dos anos 60 virou cidade, “um local no meio do sertão da Paraíba em que as pessoas conviviam como se fosse uma comunidade de parentes, num jeito solidário de subsistência, mesmo quando entre elas não havia nenhum tipo de parentesco”.
No início, Capoeira das Éguas era tratada com o maior descaso, o que até os dias de hoje ainda se perpetua em partes significativas do nordeste brasileiro. Em locais assim, há sempre alguém que se aproveita da miserável situação do povo, em proveito próprio. A condição de dependência em que vive grande parte do povo brasileiro, conforme relata o autor, é típico do que acontecia com a pequena população do vilarejo que em alguns momentos, alguns “se sentiam eternamente gratos e fiéis a esses verdadeiros carcarás da humanidade”.
Um relato cômico é o do personagem Cu Pelado, papagaio da raça estrela, verdadeiro ser pornográfico daquelas bandas e do vira-lata Lampião, que à época da terrível seca de 1953, teriam recebido recursos para acudir os flagelados. No mesmo capítulo houve o relato da velhinha que surgiu mendigando no povoado, sendo encontrada em estado de putrefação debaixo de um juazeiro, após os urubus terem dado os primeiros sinais. Tudo indica que a miserável teria morrido de fome.
O mais curioso da história da velhinha é que no lugar em que ela foi encontrada e sepultada, nasceu uma espécie de seita de veneração à indigente. Muitos ignorantes e desesperados pela verdade teriam fundado um grupo dos denominados “Filhos da Santa Velhinha”. Diante do surgimento de tantas denominações religiosas, talvez o autor tenha tido a intenção de satirizar esta situação. Neste caso, chegou a afirmar que quase um século depois a devoção à “Santa Velhinha” permanecia até os dias atuais naquelas bandas.
O romance Capoeira das Éguas traça um perfil das pequenas cidades que se formaram durante a colonização do interior do Brasil, em especial no interior do nordeste, pelo sertão da Paraíba, característico dos muitos rincões onde a religião predomina, não pelo conhecimento, mas pelo convencimento do achismo dos indivíduos “entendidos” sobre as coisas do outro mundo.
Esta foi uma boa leitura. Revivi algumas coisas que ouvi, quando vivia no meio da mata, contados pelos avós seringueiros, sobre as botijas encantadas. Há pequenas variações, já que os relatos que ouvi eram de botijas escondidas nos mais variados lugares, na floresta amazônica. Um show de descrição da parte do autor que afirma ter crescido e ter voado “nas asas do tempo, deixando para trás” seu chão natal, sua gente.
Uma figura digna de apreciação, diz respeito ao personagem Antônio Moura, homem dos melhores que habitavam as cercanias de Capoeira das Éguas. Um sujeito entendedor de muitos assuntos. Um homem paciente com seus colegas. Era bem resolvido na vida, tinha dinheiro e sempre estava disposto a apoiar as melhores causas em prol dos outros. Talvez por isso fosse detentor de grande admiração de seus compatriotas. Mas apesar da enorme aceitação na comunidade local nunca aceitou enveredar pelos caminhos da política.
Na figura de padre Israel, em uma de suas passagens por Capoeira das Éguas, o autor enfatiza o seu contentamento e a sua postura diante das coisas de Deus. Um dos homens justos do lugar e dedicado em sua missão. Assim o autor o descreve: “desapegado do mundo material, sempre pronto a acudir os necessitados era uma figura amada, que convivia com seus paroquianos misturando-se a eles com forma brincalhona de ser”.
Algo bem curioso foi a abordagem do autor sobre a sexualidade daquele povo sertanejo, que tinha nesse assunto verdadeiro preconceito. Por ali, “tudo que se referia a sexo era um enorme tabu em todos os recantos”. De forma experiente foram narrados episódios de extrema curiosidade que as crianças passavam a ter sobre esse assunto, tanto os meninos, quanto as meninas, também os adultos e pessoas que enveredavam pelos caminhos do homossexualismo.
Em um dos capítulos, o autor faz a narração da existência de um prostíbulo inaugurado na cidade que apesar da grande aceitação dentre os homens, teria sido veemente condenado pelas senhoras direitas do lugar que não sossegaram até fecharem o puteiro.
Lá pela metade da trama, é possível entender o semelhante paralelo existente entre a vida dos personagens Dona Laura, Sargento Neves, Celina, Dino e a de seu criador, com sua vida após o abandono do seminário. Fica evidente que um dos personagens tomou emprestada a vivência do autor, quando da sua ida ao seminário, enviado contra a sua vontade, acabou vivendo no seminário, até quando foi obrigado, mas veio a largar antes de se formar padre em busca de viver o seu amor infantil. O final feliz dos personagens principais, Celina e Dino, foram garantidos.
O leitor consegue assistir a um romance revivido pelo autor que atravessou toda essa trama no início da vida, logo após os 10 anos de idade. O relato da ida ao internato, as evidências de que não chegaria ao final do “Seminário de Padre”, as fortes lembranças de Celina, a despedida de Dona Laura, as novas amizades feitas no convento e a decisão de voltar em busca de seu final feliz.
É com carinho e admiração que li e faço a indicação desta obra de José de Anchieta Batista, que uma vez lida, passam os leitores a conhecer um pouco mais da vida do autor, que embora não tenha deixado explicitas as aparências com a realidade que o mesmo viveu um dia, elas são evidentes.
(*) Leitor de José de Anchieta Batista.

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