segunda-feira, 20 de março de 2017

O CASAMENTO DE CHIQUITA E VICENTÃO

(Anchieta Batista)
          Os fatos se dão por volta de 1954. Embora reais os personagens, dei-lhes nomes fictícios.
No lugarejo de Capoeira das Éguas, o disse-me-disse era algo que ocupava a agenda de todos os dias. Alguma fofoca sempre animava as rodinhas formadas nas calçadas, logo nas primeiras horas da manhã, dando um sabor muito especial às sempre animadas conversas das “cumades”, que por vezes deixavam queimar o feijão na panela. Talvez a ocupação com a vida dos outros fosse a razão principal de não se morrer de tédio ali, onde se vivia mergulhado numa mesmice sem fim.
          Certo dia o caldeirão do “nem te conto, cumade!” amanheceu fervendo em todos os recantos.
          A festa de casamento do Vicentão com Chiquita Mocó, na noite anterior, fora regada a muita comida e bebida. O velho Malaquia (assim mesmo: sem o “s”) caprichou. O ano tinha sido de inverno e a festança aconteceu em meio a uma fartura danada. Tudo ao estilo da época, naquele brabo sertão nordestino, com um “forró da mulesta”, animado pelo famoso instrumento de oito baixos do velho Pedro Nascimento. O fu-ru-fum-fum do fole começou ainda no finalzinho da tarde, quando o sol se despedia do mundo, com seus últimos raios avermelhados.
          Por volta das duas da madrugada, o velho Malaquia comandou o fim do furdunço e deu por terminada a comemoração do casório da filha. Todo mundo debandou para suas casas. Os noivos foram conduzidos na velha fubica do João do Jipe, para a inauguração da moradia recém-construída pelo pai da noiva. Chegara, enfim, o momento de usufruírem do sagrado direito, pacientemente conquistado, já que, por aquelas bandas, o sujeito não era nem doido de mexer com uma donzela, antes do casamento. Isso cheirava a defunto. Principalmente naquele caso, porque o velho Malaquia carregava a fama de ter sido cabra de Lampião.
          Capoeira das Éguas mergulhou no silêncio e o luar da madrugada tomava conta da noite. Tudo parecia muito bem. A coisa, contudo, não acontecia tão romântica assim. Lá pelas três da madrugada, a Chiquita Mocó pulou pela janela, fugiu de sua lua-de-mel, em desabalada carreira, descalça e vestida de camisola, até a casa do velho Malaquia, do outro lado do lugarejo.
          Nossa Senhora! Aquilo foi um prato cheio para todo mundo. Os
vizinhos faziam questão de acordar uns aos outros para contar a novidade. E o rebuliço tomou conta do lugarejo, bem antes do sol nascer.
          Não precisou muito elucubrar para se descobrir a razão do desespero da Chiquita.
          Vicentão era um matuto de quase dois metros de altura, uns cento e vinte quilos, porte de um gorila, vaqueiro dos bons, pegador de boi brabo, e trazia também consigo o apelido de “Jumentão”.
          A pobrezinha da Chiquita era uma magricela de dezesseis anos, muito bonitinha e cobiçada por muitos rapazes, mas não pesava mais que quarenta e cinco quilos.
          Já lá se vão muitas décadas, depois da fatídica noite. Lembro-me, porém, que ninguém voltou a ver o Vicentão. No mesmo dia, sem dar qualquer satisfação ao pai da noiva, nem a ninguém, desapareceu de Capoeira das Éguas. Foi morar para as bandas de São Paulo.
          Quanto à Chiquita, nunca mais quis chegar nem perto de homem. Preferiu o caritó. Todos os contemporâneos que permaneceram vivendo em Capoeira das Éguas, botam a mão no fogo, jurando de mãos postas, que a pobrezinha morreu virgem, em 2007, aos setenta e um anos.
          Na época do ocorrido, eu era menino e não entendia por que os adultos expulsavam-me de perto de seus buxixos e risadas, às vésperas do casamento da Chiquita. Depois me caiu a ficha: na realidade eles estavam fazendo seus maliciosos prognósticos. Vaticinaram quase corretamente.
             Pobrezinha da Chiquita!

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