Nesta semana, o velho amigo Ênio
Machado revirou meu poeirento baú e retirou, lá do fundo, uns versos meus, dos
quais nem me lembrava mais. Coisas de meus tempos de juventude, sempre
acometido de "apaixonites agudas” quase imorredouras. Reminiscências de uma
época em que sonhávamos acordados ... em que o amor era sempre um êxtase
indescritível, e o desamor doía demais! Matava por dentro.
Mas, se souberes que um desventurado,
Agora, ninguém se posta mais na
janela para ver alguém passar; já não existe o vaivém na praça, em busca de um
olhar, de um aceno, de um sorriso; não mais se passeia de mãos dadas; não
existe mais o “eu te quero”, o “eu te amo”, o “eu te adoro”, em cartinhas ou
bilhetinhos perfumados; não se ouve mais uma serenata na madrugada; não se fala
mais em primeiro abraço, em primeiro beijo, em primeiro amor. Até parece que vivemos
o entardecer dos sentimentos. Até parece que agora tudo nasce frio e sem
vida... e desaparece como se nunca houvesse existido. Tudo passa disforme e
efêmero como as nuvens passam. A vulgaridade desvirtuou tudo e, assim, já não
se "morre" mais de amor e de saudades.
Ah, como eu preferia aquelas
dificuldades de meu mundo romântico.
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Eis os versos que o Ênio me
relembrou:
TRISTE APELO
Se queres mesmo o fim deste sonhar,
Risca meu nome dos teus alfarrábios,
Esquece a luz do meu tristonho olhar,
Desculpa o mel que te roubei dos
lábios!
Se julgas que entre nós tudo morreu,
Só nos resta um adeus neste momento...
Para que prosseguirmos tu e eu,
Se te convém buscar o esquecimento?
Rasga todos os versos que te fiz!
Olvida meu amor e meu carinho!
Se junto a mim jamais serás feliz,
Não serei mais a pedra em teu
caminho!
Esquece nossas íntimas carícias,
Se é que assim tu viverás em paz...
Nossos beijos e todas as delícias
Do nosso amor... - Não te recordes
mais!
Amargos prantos o meu rosto cobrem,
Mas não te cause pena a minha dor!
Segue feliz! E dentro em ti não
sobrem
Sequer as cinzas deste nosso amor!
Mas, se souberes que um desventurado,
Viveu do amor e nele pereceu,
Reza uma prece pelo desgraçado
Pois pode ser que tenha sido eu!
(Anchieta)
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