quarta-feira, 23 de agosto de 2017

DO FUNDO DO BAÚ

            Nesta semana, o velho amigo Ênio Machado revirou meu poeirento baú e retirou, lá do fundo, uns versos meus, dos quais nem me lembrava mais. Coisas de meus tempos de juventude, sempre acometido de "apaixonites agudas” quase imorredouras. Reminiscências de uma época em que sonhávamos acordados ... em que o amor era sempre um êxtase indescritível, e o desamor doía demais! Matava por dentro.
Agora, ninguém se posta mais na janela para ver alguém passar; já não existe o vaivém na praça, em busca de um olhar, de um aceno, de um sorriso; não mais se passeia de mãos dadas; não existe mais o “eu te quero”, o “eu te amo”, o “eu te adoro”, em cartinhas ou bilhetinhos perfumados; não se ouve mais uma serenata na madrugada; não se fala mais em primeiro abraço, em primeiro beijo, em primeiro amor. Até parece que vivemos o entardecer dos sentimentos. Até parece que agora tudo nasce frio e sem vida... e desaparece como se nunca houvesse existido. Tudo passa disforme e efêmero como as nuvens passam. A vulgaridade desvirtuou tudo e, assim, já não se "morre" mais de amor e de saudades.
Ah, como eu preferia aquelas dificuldades de meu mundo romântico.
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Eis os versos que o Ênio me relembrou:

TRISTE APELO
Se queres mesmo o fim deste sonhar,
Risca meu nome dos teus alfarrábios,
Esquece a luz do meu tristonho olhar,
Desculpa o mel que te roubei dos lábios!

Se julgas que entre nós tudo morreu,
Só nos resta um adeus neste momento...
Para que prosseguirmos tu e eu,
Se te convém buscar o esquecimento?

Rasga todos os versos que te fiz!
Olvida meu amor e meu carinho!
Se junto a mim jamais serás feliz,
Não serei mais a pedra em teu caminho!

Esquece nossas íntimas carícias,
Se é que assim tu viverás em paz...
Nossos beijos e todas as delícias
Do nosso amor... - Não te recordes mais!

Amargos prantos o meu rosto cobrem,
Mas não te cause pena a minha dor!
Segue feliz! E dentro em ti não sobrem
Sequer as cinzas deste nosso amor!

Mas, se souberes que um desventurado,
Viveu do amor e nele pereceu,
Reza uma prece pelo desgraçado
Pois pode ser que tenha sido eu!
                                          (Anchieta)

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