domingo, 9 de dezembro de 2018

NÃO HÁ PREVIDÊNCIA QUE SE SUSTENTE

Aposentada aos 40 anos de idade, dra. Matilde deve passar algo em torno de cinquenta anos recebendo da previdência acreana um vultoso benefício mensal.
Estupefato, cumpri recentemente a obrigação de conceder essa aposentadoria especial, em mais um ritual do aprofundamento da crise previdenciária que se aguça, no Acre, no Brasil e no Mundo.
Não! não houve ilegalidade nem fraude nenhuma. Tudo dentro da lei, absolutamente dentro da lei. Dra. Matilde é exemplo de probidade e tem vida inspirada na ética e na moral.
Se a aposentadoria foi por invalidez? Também não! Dra. Matilde é exemplo de pessoa saudável, cheia de vigor e juventude.
A servidora, em si, não deve ser motivo de qualquer censura pessoal, por menor que seja. Dra. Matilde apenas utilizou-se dos direitos que as regras previdenciárias em vigor lhe conferem. Está tudo bem certinho, tudo dentro da lei, na aposentadoria dessa jovem servidora. Isso, porém, significa mais um alerta sobre a imperiosa necessidade de uma reforma, ampla, rigorosa e responsável, nas leis que regem atualmente os regimes de previdência social. O cobertor é curto. As despesas crescem desenfreadamente e as receitas não conseguem acompanhar. No Brasil, só algo parecido com o milagre dos “cinco pães e dois peixes” cobririam as deficiências dos seus regimes próprios.  Mas Jesus Cristo, o santo rabino da Galileia, preside outro tipo de previdência.
Vejam um exemplo concreto dessa desproporção no Poder Executivo do Acre: entre 2006 e 2018, a quantidade de benefícios cresceu 233%. Saiu de 4.500 para 15.000 benefícios. Enquanto isso, a folha, que era de 7,6 milhões, deu um salto de 830%, atingindo um total de mais de 70 milhões.
A respeito da norma legal que permitiu o benefício acima, concedido a Dra. Matilde, o Estado do Acre, em passado recente, lutou até a instância maior do Supremo Tribu
nal Federal, para garantir que a Lei Complementar (federal) nº 51, de 20/12/85, fosse declarada não recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Perdemos. Mas não ficou só nisso. Acharam pouco e, posteriormente ao nosso insucesso, o Congresso Nacional deu àquela lei uma roupagem nova, aprovando as Leis Complementares nºs 144/2014 e 155/2015, permitindo à mulher policial aposentar-se aos 25 anos de serviço (independentemente de onde haja trabalhado), desde que conte com 15 na carreira policial. Isso sem previsão de qualquer limite de idade.
Nada contra a valorosa classe policial, mas os nobres legisladores deviam ter indicado, em algum artigo da Lei, as respectivas fontes de custeio. Os Estados e municípios não possuem uma Casa da Moeda. Esse tipo de “bondade”, concedida de forma politiqueira pelas distintas “excelências” de Brasília, sem olhar para os efeitos desastrosos, é, na verdade, uma maldade contra toda a sociedade. No amanhã, outra geração haverá de pagar.
Dra. Matilde, além dos 15 anos e 6 meses vividos como policial, apresentou ao Acreprevidência uma certidão, emitida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, reconhecendo 11 anos e 7 meses de contribuição, preenchendo, assim, todas as exigências legais. Como não há previsão de idade, seu direito era líquido e certo, e não podia ser questionado por ninguém. Parabéns, Dra. Matilde. Faça bom proveito de sua aposentadoria.
Escrevo hoje sobre tal assunto porque esta foi a mais emblemática de todas as aposentadorias que concedi, durante os 13 anos em que estive à frente do Acreprevidência. Acredito que nesse período, fui signatário de bem mais de 10.000 aposentadorias e pensões previdenciárias a segurados do regime próprio do Estado do Acre. Antes deste benefício, ora abordado, a aposentação campeã, neste particular, era a de uma outra mulher, militar de alta patente, que fora para casa aos 43 anos de idade.
Não posso, contudo, concluir esta crônica sem confessar que minha própria aposentadoria como funcionário público federal, é um exemplo de benefício originado na contramão da sustentabilidade do regime previdenciário. Em 1994, num desses momentos angustiantes da vida, resolvi me aposentar.  O Ministério do Planejamento indeferiu-me a contagem de tempo de escola agrotécnica, mas minha ansiedade em ir logo para casa proporcionou-me um ato de insanidade. Aposentei-me proporcionalmente (naquele tempo era possível) e deixei pra lá qualquer briga judicial pelo tempo não reconhecido.  E sabem com quantos anos deixei o serviço ativo?  49 anos e 5 meses de idade. Se é um absurdo? Estou convicto disso! Eu houvera atingido meu melhor nível de conhecimento e experiência no cargo que exercia. Podia ainda trabalhar satisfatoriamente por mais uns 20 anos.   Naquela decisão tempestuosa, além do cofre do regime, também fui prejudicado. Hoje, eu agradeceria se as leis da época fossem mais rígidas. Teriam me obrigado a esperar por uma aposentadoria integral.
Bem, amigos, parafraseando um alerta feito por alguém (Prof Google acaba de me informar que foi um naturalista francês, no século 19), nos afirmando que “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o “Brasil”, quero gritar algo parecido:
- “Ou o Brasil reforma com seriedade sua previdência, ou a previdência acaba com o Brasil!”

Um comentário:

Unknown disse...

Belíssimo, consciente e reponsável artigo.