(*) José de
Anchieta Batista
Quando já beirava setenta anos de
idade, Dr. Tonico foi nomeado para presidir renomada empresa de economia mista
do Acre. Convenceu o recém-eleito Governador do Estado, seu amigo e compadre de
longas datas, de que, em pouco tempo, colocaria as coisas nos eixos. Bastava de
desmandos! Não deveria nomear qualquer um, principalmente alguém que tivesse
fama de ratazana!
Naquela manhã de janeiro, fazia
dois anos de sua nomeação. Sentado pomposamente em seu gabinete, teve como
primeira visita do dia a incômoda figura de um representante da fiscalização
federal. Havia quinze dias que os arquivos da administração estavam sendo vasculhados. O fiscal estava ali, justamente para fazer a entrega do resultado das
diligências.
Dr. Tonico folheou algumas vezes,
para lá e para cá, o calhamaço de papéis
da notificação, a ele repassada naquele
momento, pelo fiscal do Ministério da Previdência. Por algum tempo, o velho presidente não
pronunciou palavra alguma. Tentava primeiramente compreender o que era aquilo,
para depois tentar dialogar com o agente do fisco. Parecia, contudo, não captar
coisa alguma dentro daquele emaranhado de informações. Por fim, se acomodou melhor na cadeira,
tomou um gole de café, levantou os
óculos, olhou novamente para os papéis, e fez sua voz estridente ecoar no
ambiente:
- Dona Sandra!
A secretária atendeu com presteza
militar. Era uma moça de pouco mais de vinte anos. Um “pedaço de mau caminho”. Entrou no gabinete como se estivesse
numa passarela, fazendo valer o ritmo de
seus quadris, com seus invejáveis contornos, sob um vestido colado e insinuante,
indo postar-se ao lado da cadeira do chefe.
- Pois não, presidente! Às
ordens, meu chefe! – falou a moça, como se estivesse recitando “batatinha quando nasce”.
- Dona Sandra, chame o Chefe do
Departamento de Recursos Humanos e o Procurador Jurídico – ordenou-lhe, com
jeito de general.
- Sim, senhor! – respondeu-lhe a
moça, retornando a seu posto, com a mesma coreografia provocante, enquanto o
agente do fisco federal maldava com seus botões: - “cavalo velho, capim novo!¨.
- Não entendi muito bem esta
papelada, doutor. Quanto significa mesmo a dívida da empresa? – dirigiu-se ao fiscal, o doutor Tonico.
- Bem, Presidente, o levantamento
atingiu um pouco mais de 50 milhões.
- Quanto? Mas Isso é um absurdo!
– reagiu o velho presidente, enquanto os dois chefes de departamento pediam
licença para entrar.
- Mas, não é só isso, senhor
presidente! – continuou o fiscal. O mais complicado de tudo é o crime de
apropriação indébita. Descontaram dos empregados e não recolheram aos cofres
públicos.
- Doutor Martins e doutor
Moreira... – dirigiu-se o velho senhor aos recém-chegados, pronunciando seus
nomes pausadamente - Eu não disse aos senhores que isto aqui estava entregue a
uma quadrilha! Uma quadrilha! Vejam o que aqueles larápios deixaram de herança!
– desabafou em voz alta.
E de repente:
- Dona Sandra! Venha aqui, rápido!
– berrou o velho, enquanto a moça se achegava visivelmente trêmula.
- Chame a imprensa! Televisões,
jornais, rádios... todo mundo! Darei uma coletiva agora!
A moça não esperou que repetisse
a ordem. Deu meia volta e saiu às pressas para organizar a entrevista.
Era mania do Dr Tonico convocar a
imprensa por qualquer coisa. Tudo era motivo de coletiva. Aquele assunto,
então... era um prato cheio!
- Vou desmascarar de uma vez a
administração anterior. Ladrões! Irresponsáveis! Corruptos!
Neste momento o doutor Moreira, chefe
do Departamento de Recursos Humanos, com muito jeito, pediu calma ao furioso Presidente:
- Meu caro Presidente... Deixe eu
dar uma olhadela nesses papéis! – e passou a fazer uma verificação rápida nos
números e no período fiscalizado, enquanto o Dr. Tonico continuava com seus
esturros de revolta.
Após alguns momentos, o doutor
Moreira retornou à pauta:
- Presidente, é melhor ter muita cautela. Mais
de noventa por cento do levantamento refere-se ao período de nossa
administração.
O velho não sabia onde colocar a
cara. Quis se revoltar e argumentar alguma coisa, mas se conteve. Não se
lembrava que, diante das tantas dívidas da empresa, dera ordem para que o
pagamento da previdência ficasse fora da lista de prioridades. A empresa não recolhera um só centavo durante toda
sua gestão.
Neste momento de desconcerto,
entrou a secretária Sandra e anunciou que a imprensa já se encontrava à espera,
no auditório. Todos se entreolharam. Como suspender ou, do contrário, como enfrentar
a tal coletiva?
O perspicaz presidente, experimentado
nos difíceis lances da politicagem, não perdeu sua pose majestática. Após
assinar a notificação fiscal, entregou os recibos ao agente, e se dirigiu, pisando
forte e muito dono de si, ao local da entrevista, acompanhado dos dois
diretores.
A coletiva foi um sucesso e não demorou mais que dez minutos.
Com a presença do presidente do
Sindicato, o Dr. Tonico anunciou aos presentes, com a voz de um grande líder, que a greve dos empregados da empresa,
iniciada há um mês, chegava ao fim
naquele momento.
- Acabo de conceder, como exigiam
os nossos valorosos trabalhadores, o mais que merecido aumento de vinte por
cento sobre seus salários – bradou a velha raposa.
(*) Escritor,
poeta, viajor do tempo e do espaço.
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