sábado, 13 de junho de 2015

SAÍDA DE MESTRE DA VELHA RAPOSA

(*) José de Anchieta Batista
Quando já beirava setenta anos de idade, Dr. Tonico foi nomeado para presidir renomada empresa de economia mista do Acre. Convenceu o recém-eleito Governador do Estado, seu amigo e compadre de longas datas, de que, em pouco tempo, colocaria as coisas nos eixos. Bastava de desmandos! Não deveria nomear qualquer um, principalmente alguém que tivesse fama de ratazana!
Naquela manhã de janeiro, fazia dois anos de sua nomeação. Sentado pomposamente em seu gabinete, teve como primeira visita do dia a incômoda figura de um representante da fiscalização federal. Havia quinze dias que os arquivos da administração estavam sendo vasculhados.  O fiscal estava ali, justamente  para fazer a entrega do resultado das diligências.     
Dr. Tonico folheou algumas vezes, para lá e para cá, o  calhamaço de papéis da notificação,  a ele repassada naquele momento, pelo fiscal do Ministério da Previdência.  Por algum tempo, o velho presidente não pronunciou palavra alguma. Tentava primeiramente compreender o que era aquilo, para depois tentar dialogar com o agente do fisco. Parecia, contudo, não captar coisa alguma dentro daquele emaranhado de informações.   Por fim, se acomodou melhor na cadeira, tomou um gole de café,  levantou os óculos, olhou novamente para os papéis, e fez sua voz estridente ecoar no ambiente:
- Dona Sandra!
A secretária atendeu com presteza militar. Era uma moça de pouco mais de vinte anos. Um “pedaço de mau caminho”.  Entrou no gabinete como se estivesse numa  passarela, fazendo valer o ritmo de seus quadris, com seus invejáveis contornos, sob um vestido colado e insinuante, indo postar-se ao lado da cadeira do chefe.
- Pois não, presidente! Às ordens, meu chefe! – falou a moça, como se estivesse recitando “batatinha quando nasce”.
- Dona Sandra, chame o Chefe do Departamento de Recursos Humanos e o Procurador Jurídico – ordenou-lhe, com jeito de general.
- Sim, senhor! – respondeu-lhe a moça, retornando a seu posto, com a mesma coreografia provocante, enquanto o agente do fisco federal maldava com seus botões: - “cavalo velho, capim novo!¨.
- Não entendi muito bem esta papelada, doutor. Quanto significa mesmo a dívida da empresa? – dirigiu-se  ao fiscal, o doutor Tonico.
- Bem, Presidente, o levantamento atingiu um pouco mais de  50 milhões.
- Quanto? Mas Isso é um absurdo! – reagiu o velho presidente, enquanto os dois chefes de departamento pediam licença para entrar.
- Mas, não é só isso, senhor presidente! – continuou o fiscal. O mais complicado de tudo é o crime de apropriação indébita. Descontaram dos empregados e não recolheram aos cofres públicos.
- Doutor Martins e doutor Moreira... – dirigiu-se o velho senhor aos recém-chegados, pronunciando seus nomes pausadamente - Eu não disse aos senhores que isto aqui estava entregue a uma quadrilha! Uma quadrilha! Vejam o que aqueles larápios deixaram de herança! – desabafou em voz alta.
E de repente:
- Dona Sandra! Venha aqui, rápido! – berrou o velho, enquanto a moça se achegava visivelmente trêmula.
- Chame a imprensa! Televisões, jornais, rádios... todo mundo! Darei uma coletiva agora!
A moça não esperou que repetisse a ordem. Deu meia volta e saiu às pressas para  organizar a entrevista.
Era mania do Dr Tonico convocar a imprensa por qualquer coisa. Tudo era motivo de coletiva. Aquele assunto, então... era um prato cheio!
- Vou desmascarar de uma vez a administração anterior. Ladrões! Irresponsáveis! Corruptos!
Neste momento o doutor Moreira, chefe do Departamento de Recursos Humanos, com muito jeito,  pediu calma ao furioso Presidente:
- Meu caro Presidente... Deixe eu dar uma olhadela nesses papéis! – e passou a fazer uma verificação rápida nos números e no período fiscalizado, enquanto o Dr. Tonico continuava com seus esturros de revolta.
Após alguns momentos, o doutor Moreira retornou à pauta:
 - Presidente, é melhor ter muita cautela. Mais de noventa por cento do levantamento refere-se ao período de nossa administração.
O velho não sabia onde colocar a cara. Quis se revoltar e argumentar alguma coisa, mas se conteve. Não se lembrava que, diante das tantas dívidas da empresa, dera ordem para que o pagamento da previdência ficasse fora da lista de prioridades.  A empresa não recolhera um só centavo durante toda sua gestão.
Neste momento de desconcerto, entrou a secretária Sandra e anunciou que a imprensa já se encontrava à espera, no auditório. Todos se entreolharam. Como suspender ou, do contrário, como enfrentar a tal coletiva?
O perspicaz presidente, experimentado nos difíceis lances da politicagem, não perdeu sua pose majestática. Após assinar a notificação fiscal, entregou os recibos ao agente, e se dirigiu, pisando forte e muito dono de si, ao local da entrevista, acompanhado dos dois diretores.
  A coletiva foi um sucesso e não demorou mais que dez minutos.
Com a presença do presidente do Sindicato, o Dr. Tonico anunciou aos presentes, com a voz de um grande líder,  que a greve dos empregados da empresa, iniciada há um mês,  chegava ao fim naquele momento.
- Acabo de conceder, como exigiam os nossos valorosos trabalhadores, o mais que merecido aumento de vinte por cento sobre seus salários – bradou a velha raposa.
 (*) Escritor, poeta, viajor do tempo e do espaço.

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