(*) José de
Anchieta Batista
Em 1998, dez anos após a morte do ecologista e líder
sindical Chico Mendes, a Universidade Federal do Acre concedeu-lhe, “in
memoriam”, o título de Doutor Honoris Causa, reconhecendo o grande mérito de seu
trabalho frente ao Conselho Nacional de Seringueiros, de sua luta em prol da
criação das reservas extrativistas, de seu esforço em defesa dos povos da
floresta e de seu papel como grande articulador nos movimentos de índios e
seringueiros. Familiares, amigos, velhos companheiros do Partido dos
Trabalhadores, autoridades do governo, membros das mais diversas instituições,
de dentro e de fora do Acre, estiveram presentes, o que fez daquele evento um
grande acontecimento.
Num
dos momentos em que acontecia tão memorável homenagem, o Cláudio Ezequiel,
então presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre, participava,
numa roda de amigos, de animado papo em que se exaltava a figura do Chico.
Estavam todos orgulhosos pela outorga de tão nobre comenda ao ilustre
companheiro. Mas, enquanto os assuntos se sucediam o Cláudio matutava lá com
seus botões: - “se o Chico nunca se sentou no banco de uma universidade, como
havia se tornado doutor? Não dava para entender! Depois de morto, ainda pior!".
Foi aí que resolveu aproveitar a oportunidade, mesmo temeroso de ser
achincalhado pelos companheiros, para acabar de vez com aquela sua ignorância.
Olhou para os que estavam em seu derredor e dirigiu-lhes, ansioso, a pergunta:
-
Finalmente, meus amigos, quem pode me explicar o que danado significa ser um
“doutor honoris causa”?
Todos
se entreolharam. Um longo silêncio se instalou no ambiente. Havia uma hesitação
geral. Ninguém queria correr o risco de falar uma bobagem. Por fim, o
companheiro Olegário, figura amiga e bondosa, representante do Sindicato dos
Servidores da Universidade, resolveu arriscar:
-
Não acredito que você não saiba, Cláudio!
-
Pra ser bem sincero, Olegário, não sei! – respondeu.
-
Cláudio, esse Doutor nasceu na Europa, em pleno século dezoito. Era muito
sabido, destemido e defensor dos direitos humanos. Lutou em prol de muitas
causas importantes, assim como o Chico Mendes. Seu verdadeiro nome era Honório,
mas depois de morto ficou conhecido como Honoris Causa.
Todos
ouviram aquilo, cada um com sua muda interrogação, mas sem
qualquer questionamento. Acharam tal resposta meio esquisita, contudo, se
ninguém sabia maior detalhe sobre o assunto, melhor seria aceitar o convicto
pronunciamento do companheiro e continuar o animado bate-papo sobre outras
coisas, deixando para trás esse tal “Dr. Honoris Causa”.
O Cláudio, porém, não se
deu por satisfeito. Achara estranha aquela resposta. Perguntaria ao deputado
Nilson Mourão. Ele haveria de tirar a prova dos noves. O Nilson já estudara
durante alguns anos em seminário de padres e de certo já ouvira falar sobre
esse doutor. Ademais, o que ele falasse mereceria crédito. E não demorou muito
para que o deputado desse as caras por lá.
O Cláudio não perdeu
tempo:
- Nilson, o que vem a
ser Doutor Honoris Causa?
- Ora, Cláudio, esta
expressão é uma expressão latina. Honoris Causa significa “causa nobre”. Doutor
Honoris Causa é o titulo atribuído a personalidades que tenham se distinguido
pelo saber ou pela atuação em prol das nobres causas da humanidade, como é o
caso de Chico Mendes.
Cláudio então
acrescentou: - mas isso já foi nome de alguma pessoa?
Resposta: - Nunca ouvi
falar.
Após aquela miniaula, o
Nilson seguiu seu destino, deixando para trás alguns pares de olhos voltados
para o companheiro que emitira a opinião anterior.
O Cláudio Ezequiel foi
direto: - Então, Olegário? Você foi brabo no chute, hein?
Com voz muito firme, a
resposta foi imediata:
- Eu posso até ter me
enganado quanto ao nome do doutor, mas que esse título foi criado no século
dezoito... isso foi!
Até
hoje não se sabe se alguém acreditou.
(*)
Escritor, poeta, professor aposentado, viajor do tempo e do espaço... e não sei mais o quê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário