domingo, 5 de julho de 2015

Doutor Honoris Causa

(*) José de Anchieta Batista
             Em 1998, dez anos após a morte do ecologista e líder sindical Chico Mendes, a Universidade Federal do Acre concedeu-lhe, “in memoriam”, o título de Doutor Honoris Causa, reconhecendo o grande mérito de seu trabalho frente ao Conselho Nacional de Seringueiros, de sua luta em prol da criação das reservas extrativistas, de seu esforço em defesa dos povos da floresta e de seu papel como grande articulador nos movimentos de índios e seringueiros. Familiares, amigos, velhos companheiros do Partido dos Trabalhadores, autoridades do governo, membros das mais diversas instituições, de dentro e de fora do Acre, estiveram presentes, o que fez daquele evento um grande acontecimento.
            Num dos momentos em que acontecia tão memorável homenagem, o Cláudio Ezequiel, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre, participava, numa roda de amigos, de animado papo em que se exaltava a figura do Chico. Estavam todos orgulhosos pela outorga de tão nobre comenda ao ilustre companheiro. Mas, enquanto os assuntos se sucediam o Cláudio matutava lá com seus botões: - “se o Chico nunca se sentou no banco de uma universidade, como havia se tornado doutor? Não dava para entender! Depois de morto, ainda pior!". Foi aí que resolveu aproveitar a oportunidade, mesmo temeroso de ser achincalhado pelos companheiros, para acabar de vez com aquela sua ignorância. Olhou para os que estavam em seu derredor e dirigiu-lhes, ansioso, a pergunta:
            - Finalmente, meus amigos, quem pode me explicar o que danado significa ser um “doutor honoris causa”?
            Todos se entreolharam. Um longo silêncio se instalou no ambiente. Havia uma hesitação geral. Ninguém queria correr o risco de falar uma bobagem. Por fim, o companheiro Olegário, figura amiga e bondosa, representante do Sindicato dos Servidores da Universidade, resolveu arriscar:
            - Não acredito que você não saiba, Cláudio!
            - Pra ser bem sincero, Olegário, não sei! – respondeu.
            - Cláudio, esse Doutor nasceu na Europa, em pleno século dezoito. Era muito sabido, destemido e defensor dos direitos humanos. Lutou em prol de muitas causas importantes, assim como o Chico Mendes. Seu verdadeiro nome era Honório, mas depois de morto ficou conhecido como Honoris Causa.
            Todos ouviram aquilo, cada um com sua muda interrogação, mas sem qualquer questionamento. Acharam tal resposta meio esquisita, contudo, se ninguém sabia maior detalhe sobre o assunto, melhor seria aceitar o convicto pronunciamento do companheiro e continuar o animado bate-papo sobre outras coisas, deixando para trás esse tal “Dr. Honoris Causa”.
            O Cláudio, porém, não se deu por satisfeito. Achara estranha aquela resposta. Perguntaria ao deputado Nilson Mourão. Ele haveria de tirar a prova dos noves. O Nilson já estudara durante alguns anos em seminário de padres e de certo já ouvira falar sobre esse doutor. Ademais, o que ele falasse mereceria crédito. E não demorou muito para que o deputado desse as caras por lá.
            O Cláudio não perdeu tempo:
            - Nilson, o que vem a ser Doutor Honoris Causa?
            - Ora, Cláudio, esta expressão é uma expressão latina. Honoris Causa significa “causa nobre”. Doutor Honoris Causa é o titulo atribuído a personalidades que tenham se distinguido pelo saber ou pela atuação em prol das nobres causas da humanidade, como é o caso de Chico Mendes.
            Cláudio então acrescentou: - mas isso já foi nome de alguma pessoa?
            Resposta: - Nunca ouvi falar.
            Após aquela miniaula, o Nilson seguiu seu destino, deixando para trás alguns pares de olhos voltados para o companheiro que emitira a opinião anterior.
            O Cláudio Ezequiel foi direto: - Então, Olegário? Você foi brabo no chute, hein?
            Com voz muito firme, a resposta foi imediata:
            - Eu posso até ter me enganado quanto ao nome do doutor, mas que esse título foi criado no século dezoito... isso foi!
            Até hoje não se sabe se alguém acreditou.

(*) Escritor, poeta, professor aposentado, viajor do tempo e do espaço...  e não sei mais o quê.

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