sábado, 1 de agosto de 2015

CHEGAR ATRASADO PODE SER DESASTROSO

(*) José de Anchieta Batista
A historieta de hoje aconteceu há uns sessenta anos, lá para as bandas dos rincões gaúchos,  numa cidadezinha interiorana, plantada nas fronteiras com a Argentina. A narração foi-me feita pelo amigo Fernando Rigotti, um gauchão de quatro costados, morador de Porto Alegre, que jurou de mãos postas, pela honra da santa mãezinha, que o fato é absolutamente verdadeiro.
O padre idealizara a festa com enorme capricho. O convênio celebrado com a Prefeitura Municipal  possibilitara a ampliação da Escola Menino Jesus, vinculada à Paróquia, cujo fundador e diretor era o próprio vigário.
A programação foi extensa e diversificada. Missa festiva, apresentação do Coral, inauguração da quadra de esportes, entrega, pelo senhor prefeito, de algumas novas salas de aula e, ao meio-dia, um grande churrasco.
As moças e os rapazes tiveram uma manhã de grande vaivém, na pracinha existente no largo da igreja matriz. Naquele espaço, muitas paqueras, muitos namoros, e até casamentos, tinham início durante as festas de cunho religioso. As pessoas mais vinculadas aos afazeres sagrados esmeravam-se para que tudo fosse um sucesso.  E até um grupo de jovens e senhoras, designado pelo vigário, cuidava da garotada inquieta. Tudo, enfim, primava pela organização.
A Santa Missa foi celebrada às oito horas, conforme previsão, pois a pontualidade nos ofícios sagrados era algo inegociável para o vigário. Parte da programação, porém, sofreu um enorme atraso. O prefeito e esposa dormiram na fazenda, bem distante da cidade, e embora tivessem prometido madrugar, já se aproximava das onze horas e... nada!   O prefeito não aparecia. Algo muito sério, com certeza houvera acontecido, pois era comprovadamente muito severo no que se referia a horários. Neste clima de espera e suspense, o dia avançava, mas ninguém trazia qualquer notícia da autoridade.
Às onze em ponto, o vigário chamou o vice-prefeito e outras autoridades presentes para cumprirem o restante da programação. Não dava mais para esperar.
O padre foi o último a discursar. Depois de citar os trabalhos eclesiais como sendo motivadores de substantivas mudanças naquela comunidade, lembrou a todos que, exatamente naquele dia, completava dez anos que ele estava à frente da paróquia.
 Em suas muitas relembranças, mencionou de maneira especial o dia em que ali chegou, para assumir a recém-criada paróquia, na condição de primeiro vigário. Citou alguns fatos já embaçados pelo tempo e, em determinado momento, quando abordava a evolução espiritual e moral daquela gente, fez, dentre muitas outras, a seguinte citação:
- ... e hoje podemos sentir que houve uma evolução deveras salutar. Naquele domingo de minha chegada, tive a sensação de que esta cidade era o abrigo da perdição. O primeiro paroquiano a se confessar, vejam bem, o primeiríssimo, disse-me que cometia adultério com várias mulheres casadas da sociedade, inclusive com as vizinhas da esquerda e da direita. Fiquei chocado...
Naquele momento, o vigário foi interrompido, por motivo da chegada repentina, e já não mais esperada, da pessoa do Prefeito.
- Desculpem-me o pequeno atraso! – bradou em alta voz, enquanto apressadamente abria passagem para chegar onde estavam as autoridades.
Após os cumprimentos em geral, explicou ao padre que seu velho jipe sofrera uma pane, obrigando-o a percorrer vinte quilômetros no lombo de um burro.  Recebidas as explicações e desculpas, o vigário, em razão do adiantado da hora, não mais deu sequência ao seu discurso. Fez seus agradecimentos e, imediatamente, concedeu a palavra ao prefeito, fazendo questão de alertá-lo, com batidinhas no ombro, de que o povo estava com fome  e que o churrasco já estava no ponto. Em outras palavras: “seja breve!”.
A autoridade externou as simuladas saudações de praxe, com aquele ar de quem está sempre num palanque político, e tentou fazer média diante do sacerdote e da comunidade:
- Minha bondosa gente! Meu querido vigário! Inicio as minhas breves palavras, dando Graças a Deus pelos dez anos de sua vinda para dirigir nossa paróquia. Naquele dia, quando o reverendíssimo homem de Deus pisou pela primeira vez nesta cidade, fui eu que preparei a sua recepção. O senhor Vigário também não sabe do meu orgulho pessoal por ter sido o primeiro penitente, veja bem, o primeiríssimo paroquiano desta cidade, a lhe confessar os pecados.
***
Bem, meus leitores: O amigo que me transmitiu esta história, não me contou se ainda houve algum clima para o churrasco. Também não me deu muitos detalhes sobre os desdobramentos de tudo, mas me garantiu que não houve milagre que evitasse algumas separações.  A primeira foi a do próprio prefeito.

 (*) Professor e auditor-fiscal aposentado, viajor do tempo e do espaço... e não sei mais o quê.

Nenhum comentário: