(*) José de
Anchieta Batista
A historieta de hoje aconteceu há uns
sessenta anos, lá para as bandas dos rincões gaúchos, numa cidadezinha interiorana, plantada nas
fronteiras com a Argentina. A narração foi-me feita pelo amigo Fernando
Rigotti, um gauchão de quatro costados, morador de Porto Alegre, que jurou de
mãos postas, pela honra da santa mãezinha, que o fato é absolutamente
verdadeiro.
O padre idealizara a festa com enorme
capricho. O convênio celebrado com a Prefeitura Municipal possibilitara a ampliação da Escola Menino
Jesus, vinculada à Paróquia, cujo fundador e diretor era o próprio vigário.
A programação foi extensa e
diversificada. Missa festiva, apresentação do Coral, inauguração da quadra de esportes,
entrega, pelo senhor prefeito, de algumas novas salas de aula e, ao meio-dia, um
grande churrasco.
As moças e os rapazes tiveram uma manhã
de grande vaivém, na pracinha existente no largo da igreja matriz. Naquele
espaço, muitas paqueras, muitos namoros, e até casamentos, tinham início durante
as festas de cunho religioso. As pessoas mais vinculadas aos afazeres sagrados
esmeravam-se para que tudo fosse um sucesso.
E até um grupo de jovens e senhoras, designado pelo vigário, cuidava da
garotada inquieta. Tudo, enfim, primava pela organização.
A Santa Missa foi celebrada às oito
horas, conforme previsão, pois a pontualidade nos ofícios sagrados era algo
inegociável para o vigário. Parte da programação, porém, sofreu um enorme
atraso. O prefeito e esposa dormiram na fazenda, bem distante da cidade, e
embora tivessem prometido madrugar, já se aproximava das onze horas e... nada! O
prefeito não aparecia. Algo muito sério, com certeza houvera acontecido, pois
era comprovadamente muito severo no que se referia a horários. Neste clima de espera
e suspense, o dia avançava, mas ninguém trazia qualquer notícia da autoridade.
Às onze em ponto, o vigário chamou o
vice-prefeito e outras autoridades presentes para cumprirem o restante da
programação. Não dava mais para esperar.
O padre foi o último a discursar. Depois
de citar os trabalhos eclesiais como sendo motivadores de substantivas mudanças
naquela comunidade, lembrou a todos que, exatamente naquele dia, completava dez
anos que ele estava à frente da paróquia.
Em suas muitas relembranças, mencionou de
maneira especial o dia em que ali chegou, para assumir a recém-criada paróquia,
na condição de primeiro vigário. Citou alguns fatos já embaçados pelo tempo e,
em determinado momento, quando abordava a evolução espiritual e moral daquela
gente, fez, dentre muitas outras, a seguinte citação:
- ... e hoje podemos sentir que houve
uma evolução deveras salutar. Naquele domingo de minha chegada, tive a sensação
de que esta cidade era o abrigo da perdição. O primeiro paroquiano a se
confessar, vejam bem, o primeiríssimo, disse-me que cometia adultério com várias
mulheres casadas da sociedade, inclusive com as vizinhas da esquerda e da
direita. Fiquei chocado...
Naquele momento, o vigário foi
interrompido, por motivo da chegada repentina, e já não mais esperada, da
pessoa do Prefeito.
- Desculpem-me o pequeno atraso! – bradou
em alta voz, enquanto apressadamente abria passagem para chegar onde estavam as
autoridades.
Após os cumprimentos em geral, explicou ao
padre que seu velho jipe sofrera uma pane, obrigando-o a percorrer vinte
quilômetros no lombo de um burro. Recebidas
as explicações e desculpas, o vigário, em razão do adiantado da hora, não mais
deu sequência ao seu discurso. Fez seus agradecimentos e, imediatamente, concedeu
a palavra ao prefeito, fazendo questão de alertá-lo, com batidinhas no ombro, de
que o povo estava com fome e que o churrasco
já estava no ponto. Em outras palavras: “seja breve!”.
A autoridade externou as simuladas
saudações de praxe, com aquele ar de quem está sempre num palanque político, e
tentou fazer média diante do sacerdote e da comunidade:
- Minha bondosa gente! Meu querido
vigário! Inicio as minhas breves palavras, dando Graças a Deus pelos dez anos de
sua vinda para dirigir nossa paróquia. Naquele dia, quando o reverendíssimo homem
de Deus pisou pela primeira vez nesta cidade, fui eu que preparei a sua
recepção. O senhor Vigário também não sabe do meu orgulho pessoal por ter sido
o primeiro penitente, veja bem, o primeiríssimo paroquiano desta cidade, a lhe confessar
os pecados.
***
Bem, meus leitores: O amigo que me
transmitiu esta história, não me contou se ainda houve algum clima para o churrasco.
Também não me deu muitos detalhes sobre os desdobramentos de tudo, mas me
garantiu que não houve milagre que evitasse algumas separações. A primeira foi a do próprio prefeito.
(*) Professor e auditor-fiscal aposentado, viajor do tempo e do espaço... e não sei mais o quê.
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