sábado, 8 de agosto de 2015

O “ZAPZAP” (WHATSAPP) QUASE ME EXCLUIU DEFINITIVAMENTE

(*) José de Anchieta Batista
Nesses tempos de grande velocidade de comunicação, já houve muitos alertas  quanto aos cuidados com nossa  privacidade, para que ela não se torne também globalizada. Um pequeno descuido arremessa, num abrir e fechar de olhos, com a rapidez de um relâmpago, nossa intimidade para todos os recantos do mundo. Depois disso, não adianta querer remediar, porque é irreversível. Hoje, a humanidade inteira passou a ocupar suas janelinhas particulares, a fim de observar permanentemente os quintais uns dos outros. Passamos o tempo inteiro trocando mensagens em todas as direções, sem nos lembrarmos de que os bisbilhoteiros estão atuando invisíveis onde menos se espera. As tais redes sociais passaram a ser o lugar de encontro das pessoas. E isso tem ajudado o homem a se desumanizar muito mais. Não há o aperto de mão, nem o beijo de cumprimentos, nem o abraço, nem o contato da pele. Quase tudo é virtual, funcionando à base de postagens, com suas regras próprias, levando mediocridade a tudo, inclusive à língua pátria.  Interessante é que uma postagem inicial pode transformar-se em algo que você nunca falou nem escreveu. Por vezes, alguém tenta dar um toque pessoal a uma mensagem de terceiro, e desvirtua tudo, deixando outros, principalmente o primeiro emitente, em maus lençóis.
Outro grande risco é a comunicação telefônica. Há sempre alguém vigiando alguém. Países vigiam países, oposição vigia quem está no poder, inimigo vigia inimigo, empresas escutam segredos de empresas, maridos e mulheres buscam prováveis infidelidades, e assim por diante. Com essas invasões, é preciso muito cuidado com o que se fala. Em muitos diálogos a interpretação fica a critério de quem rastreia, espiona ou escuta. Os bisbilhoteiros estão permanentemente de plantão.
Num telefonema em que mencionei um empresário do ramo do mercado financeiro, cuja empresa tem sede em São Paulo, fui alertado, por um colega da equipe de Governo, sobre o risco de algum sujeito estar naquele momento captando minha ligação, pois me seria difícil provar que não se tratava de um caso de corrupção. Vejam:
- “... já discuti tudo com o Laranja e isso pode ser um excelente negócio para nós.”
O sobrenome real do empresário é exatamente este: Laranja. Ele está instituindo um Fundo de Investimentos em Participação (FIP) voltado para o desenvolvimento de Estados do Norte e do Nordeste, o que é de interesse do nosso Acre.  Aquele trecho isolado da conversa poderia, no mínimo, presentear-me uma boa encheção de saco, tendo que depor algumas vezes frente a frente com um delegado.
No ano passado, 2014, esse tal de Whatsapp, a que me acostumei chamar de “Zapzap”, pregou-me uma boa peça.   
Vivíamos uma campanha eleitoral, período em que a velocidade da comunicação é muito preciosa. Foi, então, criado um grupo, no âmbito daquele aplicativo da web, para acompanhamento e discussões de tudo.  Certo dia, no mormaço quase insuportável daquele agosto, quando as queimadas lotaram as enfermarias dos hospitais, veio-me a crise de falta de ar, também aguçada por um enfisema pulmonar, herança de quarenta anos de cigarros.  Fiquei fora da campanha eleitoral, justamente na véspera de importantíssima reunião de avaliação e planejamento. Minha situação deixou-me impossibilitado de participar do encontro. Fiz, então, funcionar o “Zapzap”:
“- Companheiros, estou fora de combate. Não participarei da reunião. Sequer tenho conseguido dormir. Dor no peito, garganta inflamada, febre, cabeça explodindo. A crise de dispneia tem sido tão forte que às vezes penso no pior...”
Pronto. Isso gerou, de imediato,  quase duzentas mensagens, todas acariciando meu ego e procurando dar-me forças para levantar do leito. A partir daí, por mais que eu tentasse convencer a todos, em respostas a suas fraternas mensagens, de que não havia motivos para maiores preocupações, parecia não adiantar. Amigos católicos, umbandistas, evangélicos, daimistas, candomblecistas etc., buscavam fraternalmente alguma ajuda “lá de cima” para o pobre do Anchieta.
Embora toda aquela movimentação, principalmente a virtual,  tenha-me feito enfermo além da conta, eu me senti bastante querido. Até hoje sou deveras grato por tantas visitas. Ressalto, porém, que naquelas idas a minha casa, o que mais me impressionou foi que quase todos esperavam encontrar ali um sujeito desfigurado e esquelético. Ao verem o contrário, a reação era de surpresa:
- Graças a Deus você está muito bem recuperado fisicamente! Foram as preces da nossa igreja – diziam alguns.
Na realidade, não sei de qual recuperação física falavam, pois não havia emagrecido nenhum grama, em qualquer momento da crise. Permaneci todo tempo com o mesmíssimo peso de cento e dez quilos. Deduzi, então, que o “Zapzap” mudara virtualmente meu perfil.
Chegaram-me receitas, rezas, panaceias diversas e lambedores de todos os tipos, por vezes nitidamente bizarros, como foi a sugestão do chá do rabo da lagartixa.  Driblei todas essas poções milagrosas e continuei preferindo as orientações do Dr. Matheus Roza, pneumologista que me tem acompanhado nessas agonias.
Mas tudo não ficou por aí. Embora não tenha me submetido a qualquer tratamento fora do Acre, alguém de outro grupo de “Zapzap” insinuou que “o poeta tem que voltar logo de São Paulo para  continuar entre nós e à frente de nossa previdência estadual.”.  Isso atiçou a inspiração de muitas outras bondosas criaturas que, acrescentando um ou outro adjetivo, ensejavam interpretações as mais diversas sobre minha morbidez.  Ainda bem que não chamaram o padre Asfury para me recomendar a alma.
Esse tal de Whatsapp...
Naqueles dias da crise, o que rolou a meu respeito no mundo virtual transformou-me numa espécie de doente terminal cibernético. Era como se eu estivesse entubado, à espera de algum milagre. Chegadas as primeiras chuvas redentoras, voltei à vida normal. Por esses dias, uma entrevista na TV Gazeta, sobre assuntos previdenciários, trouxe aos amigos e conhecidos a certeza de que o velho Anchieta renovara o direito de continuar no mundo dos vivos.
Termino afirmando que o tal do Whatsapp quase me excluiu definitivamente de seus grupos.
(*) Escritor, poeta... e não sei mais o quê.

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