(*) José de
Anchieta Batista
Nesses tempos de grande velocidade de
comunicação, já houve muitos alertas quanto aos cuidados com nossa privacidade, para que ela não se torne também
globalizada. Um pequeno descuido arremessa, num abrir e fechar de olhos, com a rapidez
de um relâmpago, nossa intimidade para todos os recantos do mundo. Depois
disso, não adianta querer remediar, porque é irreversível. Hoje, a humanidade
inteira passou a ocupar suas janelinhas particulares, a fim de observar
permanentemente os quintais uns dos outros. Passamos o tempo inteiro trocando
mensagens em todas as direções, sem nos lembrarmos de que os bisbilhoteiros
estão atuando invisíveis onde menos se espera. As tais redes sociais passaram a
ser o lugar de encontro das pessoas. E isso tem ajudado o homem a se
desumanizar muito mais. Não há o aperto de mão, nem o beijo de cumprimentos, nem
o abraço, nem o contato da pele. Quase tudo é virtual, funcionando à base de
postagens, com suas regras próprias, levando mediocridade a tudo, inclusive à
língua pátria. Interessante é que uma
postagem inicial pode transformar-se em algo que você nunca falou nem escreveu.
Por vezes, alguém tenta dar um toque pessoal a uma mensagem de terceiro, e desvirtua
tudo, deixando outros, principalmente o primeiro emitente, em maus lençóis.
Outro grande risco é a comunicação
telefônica. Há sempre alguém vigiando alguém. Países vigiam países, oposição
vigia quem está no poder, inimigo vigia inimigo, empresas escutam segredos de
empresas, maridos e mulheres buscam prováveis infidelidades, e assim por
diante. Com essas invasões, é preciso muito cuidado com o que se fala. Em
muitos diálogos a interpretação fica a critério de quem rastreia, espiona ou
escuta. Os bisbilhoteiros estão permanentemente de plantão.
Num telefonema em que mencionei um empresário
do ramo do mercado financeiro, cuja empresa tem sede em São Paulo, fui alertado,
por um colega da equipe de Governo, sobre o risco de algum sujeito estar naquele
momento captando minha ligação, pois me seria difícil provar que não se tratava
de um caso de corrupção. Vejam:
- “...
já discuti tudo com o Laranja e isso pode ser um excelente negócio para nós.”
O sobrenome real do empresário é exatamente
este: Laranja. Ele está instituindo um Fundo de Investimentos em Participação
(FIP) voltado para o desenvolvimento de Estados do Norte e do Nordeste, o que é
de interesse do nosso Acre. Aquele
trecho isolado da conversa poderia, no mínimo, presentear-me uma boa encheção
de saco, tendo que depor algumas vezes frente a frente com um delegado.
No ano passado, 2014, esse tal de Whatsapp,
a que me acostumei chamar de “Zapzap”, pregou-me uma boa peça.
Vivíamos uma campanha eleitoral, período
em que a velocidade da comunicação é muito preciosa. Foi, então, criado um
grupo, no âmbito daquele aplicativo da web, para acompanhamento e discussões de
tudo. Certo dia, no mormaço quase
insuportável daquele agosto, quando as queimadas lotaram as enfermarias dos
hospitais, veio-me a crise de falta de ar, também aguçada por um enfisema
pulmonar, herança de quarenta anos de cigarros. Fiquei fora da campanha eleitoral, justamente
na véspera de importantíssima reunião de avaliação e planejamento. Minha
situação deixou-me impossibilitado de participar do encontro. Fiz, então, funcionar
o “Zapzap”:
“-
Companheiros, estou fora de combate. Não participarei da reunião. Sequer tenho
conseguido dormir. Dor no peito, garganta inflamada, febre, cabeça explodindo. A
crise de dispneia tem sido tão forte que às vezes penso no pior...”
Pronto. Isso gerou, de imediato, quase duzentas mensagens, todas acariciando
meu ego e procurando dar-me forças para levantar do leito. A partir daí, por
mais que eu tentasse convencer a todos, em respostas a suas fraternas mensagens,
de que não havia motivos para maiores preocupações, parecia não adiantar. Amigos
católicos, umbandistas, evangélicos, daimistas, candomblecistas etc., buscavam fraternalmente
alguma ajuda “lá de cima” para o pobre do Anchieta.
Embora toda aquela movimentação,
principalmente a virtual, tenha-me feito
enfermo além da conta, eu me senti bastante querido. Até hoje sou deveras grato
por tantas visitas. Ressalto, porém, que naquelas idas a minha casa, o que mais
me impressionou foi que quase todos esperavam encontrar ali um sujeito desfigurado
e esquelético. Ao verem o contrário, a reação era de surpresa:
- Graças a Deus você está muito bem
recuperado fisicamente! Foram as preces da nossa igreja – diziam alguns.
Na realidade, não sei de qual
recuperação física falavam, pois não havia emagrecido nenhum grama, em qualquer
momento da crise. Permaneci todo tempo com o mesmíssimo peso de cento e dez
quilos. Deduzi, então, que o “Zapzap” mudara virtualmente meu perfil.
Chegaram-me receitas, rezas, panaceias
diversas e lambedores de todos os tipos, por vezes nitidamente bizarros, como
foi a sugestão do chá do rabo da lagartixa. Driblei todas essas poções milagrosas e continuei
preferindo as orientações do Dr. Matheus Roza, pneumologista que me tem
acompanhado nessas agonias.
Mas tudo não ficou por aí. Embora não
tenha me submetido a qualquer tratamento fora do Acre, alguém de outro grupo de
“Zapzap” insinuou que “o poeta tem que
voltar logo de São Paulo para continuar
entre nós e à frente de nossa previdência estadual.”. Isso atiçou a inspiração de muitas outras bondosas
criaturas que, acrescentando um ou outro adjetivo, ensejavam interpretações as
mais diversas sobre minha morbidez. Ainda
bem que não chamaram o padre Asfury para me recomendar a alma.
Esse tal de Whatsapp...
Naqueles dias da crise, o que rolou a
meu respeito no mundo virtual transformou-me numa espécie de doente terminal
cibernético. Era como se eu estivesse entubado, à espera de algum milagre. Chegadas
as primeiras chuvas redentoras, voltei à vida normal. Por esses dias, uma
entrevista na TV Gazeta, sobre assuntos previdenciários, trouxe aos amigos e
conhecidos a certeza de que o velho Anchieta renovara o direito de continuar no
mundo dos vivos.
Termino afirmando que o tal do Whatsapp
quase me excluiu definitivamente de seus grupos.
(*)
Escritor, poeta... e não sei mais o quê.
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