domingo, 20 de setembro de 2015

A RUA DO BAGAÇO

               A Rua do Bagaço é uma dessas ruas pobres e tristes, composta de um amontoado de barracos em total desordem. Pois bem: num desses barracos eu me escondo. É aí que tenho passado minha vida inteira debruçado na janela, a contemplar o panorama que me cerca. Tudo parece confuso e indecifrável. Por mais que alguém me afirme que esta rua é maravilhosa, nem meus olhos nem meu coração conseguem ver isso. Dentro de mim há um sentimento de que a vida nos tritura aos poucos. Longe, mais ao centro da movimentada cidade, as ruas cruzam-se. Ruas, não! Imensas avenidas, largas, festivas, decoradas com ornamentos fascinantes, num misto de muitas cores. As cores da hipocrisia. Aqui e ali, ocasionalmente, se desenrola a comédia, porém o mais comum é a tragédia. Às vezes me revolto, fecho a janela, deito-me no chão frio, enrosco-me qual fosse um caracol e, em desespero, eu choro! Às vezes, desço até as margens do rio e fico ali sentado, pensando alheio como os loucos pensam, sem encontrar a razão de ser deste imenso pandemônio que existe nas ruas da vida. Depois, saio por aí, andando à toa, buscando debalde tocar-me alguma indiferença quanto a tudo isso. Retorno ao velho barraco, bem mais angustiado, sem um novo sonho, sem uma nova esperança e bem mais cansado. Então, assobio uma canção triste, forjada sempre em alguma desdita, recito versos do Augusto dos Anjos, deito-me no catre, olho as estrelas pelas frestas do velho telhado e mergulho no pesadelo de minha insônia. 
           Canta um galo no quintal. Ladra um cão na madrugada. A Rua do Bagaço dorme...
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MENINO DA RUA DO BAGAÇO

Que bom voltasse tudo uma outra vez...
A rua, a vida, o tempo e o mesmo espaço...
Meninos lá da Rua do Bagaço,
Neste momento, onde é que estão vocês?

Dispersos pela vida amarga e crua,
Na vã procura da felicidade!
Ó como dói saber que na verdade
Ela morava ali na nossa rua!

Eu me lembro de cada desatino,
Que sempre me valia algum castigo...
Mas, que bom que voltasse o tempo antigo
E eu voltasse de novo a ser menino!

Namorar escondido a Eleonora,
Ser bamba do pião, craque da bola,
Frequentar novamente a mesma escola
E apaixonar-me pela professora!

Infernizar a louca - a Dona Chica,
Só pra ver a coitada esbravejando,
Olhar as moças nuas se banhando
Lá debaixo dos pés de oiticica...

Esse tempo distante é como um vulto
Que me segue na rota da velhice...
E agora eu vejo o quanto era tolice
O sonho pertinaz de ser adulto.

Ó gosto amargo de desesperança!
Ó caminhos cruéis por onde passo!
Voltar quisera à Rua do Bagaço
E nunca mais deixar de ser criança!

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