A Rua do Bagaço é uma dessas ruas pobres e tristes, composta
de um amontoado de barracos em total desordem. Pois bem: num desses barracos eu
me escondo. É aí que tenho passado minha vida inteira debruçado na janela, a
contemplar o panorama que me cerca. Tudo parece confuso e indecifrável. Por
mais que alguém me afirme que esta rua é maravilhosa, nem meus olhos nem meu
coração conseguem ver isso. Dentro de mim há um sentimento de que a vida nos
tritura aos poucos. Longe, mais ao centro da movimentada cidade, as ruas
cruzam-se. Ruas, não! Imensas avenidas, largas, festivas, decoradas com
ornamentos fascinantes, num misto de muitas cores. As cores da hipocrisia. Aqui
e ali, ocasionalmente, se desenrola a comédia, porém o mais comum é a tragédia.
Às vezes me revolto, fecho a janela, deito-me no chão frio, enrosco-me qual
fosse um caracol e, em desespero, eu choro! Às vezes, desço até as margens do
rio e fico ali sentado, pensando alheio como os loucos pensam, sem encontrar a
razão de ser deste imenso pandemônio que existe nas ruas da vida. Depois, saio
por aí, andando à toa, buscando debalde tocar-me alguma indiferença quanto a
tudo isso. Retorno ao velho barraco, bem mais angustiado, sem um novo sonho,
sem uma nova esperança e bem mais cansado. Então, assobio uma canção triste,
forjada sempre em alguma desdita, recito versos do Augusto dos Anjos, deito-me
no catre, olho as estrelas pelas frestas do velho telhado e mergulho no
pesadelo de minha insônia.
Canta
um galo no quintal. Ladra um cão na madrugada. A Rua do Bagaço dorme...
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MENINO DA RUA DO
BAGAÇO
Que bom
voltasse tudo uma outra vez...
A rua, a
vida, o tempo e o mesmo espaço...
Meninos lá da
Rua do Bagaço,
Neste
momento, onde é que estão vocês?
Dispersos pela vida amarga e crua,
Na vã procura
da felicidade!
Ó como dói
saber que na verdade
Ela morava
ali na nossa rua!
Eu me lembro
de cada desatino,
Que sempre me
valia algum castigo...
Mas, que bom
que voltasse o tempo antigo
E eu voltasse
de novo a ser menino!
Namorar escondido a Eleonora,
Ser bamba do
pião, craque da bola,
Frequentar
novamente a mesma escola
E
apaixonar-me pela professora!
Infernizar a louca - a Dona Chica,
Só pra ver a
coitada esbravejando,
Olhar as
moças nuas se banhando
Lá debaixo
dos pés de oiticica...
Esse tempo
distante é como um vulto
Que me segue
na rota da velhice...
E agora eu
vejo o quanto era tolice
O sonho
pertinaz de ser adulto.
Ó gosto amargo de desesperança!
Ó caminhos
cruéis por onde passo!
Voltar
quisera à Rua do Bagaço
E nunca mais deixar de ser criança!
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