sábado, 3 de outubro de 2015

UM BICHO CHAMADO HOMEM

(*) José de Anchieta Batista
Poderia hoje escrever sobre algo que representasse uma injeção de otimismo, mas as notícias cotidianas desanimam qualquer um. Não é possível olhar este mundo atual sob a ótica de que “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, como afirma o Professor Pangloss, aquele personagem de Voltaire, em seu livro Cândido ou o Otimismo.
Hoje me abateu um certo desencanto e resolvi escrever sobre este sentimento que me aflige. Quase uma revolta radical. Angustia-me a certeza de que faço parte desta realidade e de que também contribuo para tudo isso.
Dentre os animais, cada espécie tem um comportamento que, via de regra, não foge ao que lhe é imposto por seu milenar instinto. Criar um leão no recôndito doméstico é condenar-se a algum dia ser transformado em saborosa iguaria. As feras são feras... e pronto. Há, porém, uma fera que me causa maior medo: o homem. Este sujeito me traz interrogações que jamais são respondidas. Nem mesmo os enigmas que existem em minha fera pessoal, eu consigo desvendar satisfatoriamente. Somos seres incógnitos. Somos feras que pensam. Dispomos da inteligência e da razão, como lamparinas de nossas escolhas, dentro do que se nos apresenta como bom ou mau, certo ou errado, bonito ou feio, e por aí vai, nesta dualidade que existe em tudo.
Não há qualquer dúvida de que nós, os homens, estamos acima dos outros animais. Somos os mestres e os maestros desta orquestração. Que orgulho! Que maravilha! Diante de tudo o que existe na face da Terra, fomos coroados reis. Há um rei e um reinado em cada trono que representamos. Coitados de nós! Em nossa origem, poucos animais nascem tão indefesos. Aqui aportamos desprovidos de quaisquer condições para uma sobrevivência imediata, sem que outros nos auxiliem. Depois crescemos...  e como particular ator da capacidade que trazemos de discernir e escolher, tornamo-nos o mais imbecil, o mais idiota, o mais terrível de todos os animais. As facções que se opuseram ou se opõem a isso sucumbiram ou continuam a ser massacradas impiedosamente. Na milenar história da humanidade, temos escolhido praticar todo o mal possível, e ainda saímos por aí vangloriando-nos de nossa sabedoria e do inefável título de “filhos de Deus”.  E é nessa condição de filhos tão ilustres, que fazemos a guerra, eliminamos o nosso semelhante e ainda destruímos nossa própria casa, a Terra. Praticamos justamente o que a inteligência e a racionalidade deveriam abominar. Estamos ajudando a derreter o gelo dos polos; estamos enchendo os mares de porcarias; estamos desertificando o mundo. Até mesmo, acima de nossas cabeças, orbitam lixos nossos lá no espaço superior. Neste desrespeito irrefreável, temos acelerado o dia final de nossa autodestruição. Tudo isso prenuncia a proximidade de uma nova catástrofe para a humanidade. Não sabemos quando ocorrerá, mas será inevitável esta colheita. Que importa? Dane-se o mundo!
Numa de minhas crônicas passadas, afirmei que o homem é o bagunceiro da criação. E o somos. Bagunçamos tudo, nesta empáfia maldita de achar que somos donos, e que, por isso, temos o direito de destruir tudo o que nos rodeia. Não importa que seja algo renovável ou não. Não interessa que demore cem anos para que exista uma outra árvore semelhante.  Será que nós, os homens, somos de fato inteligentes e racionais? Por que, então, escolhemos o pior?  Os outros animais, que são desprovidos desses atributos humanos, não são maus, perversos, destruidores. O que fazem é cumprir a programação instintiva previamente estabelecida. Vivem sob absoluto respeito às regras, mesmo que inconscientemente. Nós, os homens, tidos como imagem e semelhança de Deus, ocupamos nosso existir com uma racionalidade nitidamente irracional. Produzimos um sem fim de absurdos, só aceitáveis pelo ilogismo e pela insensatez. Não temos a força bruta dos elefantes; não trazemos a imponência selvática dos leões nem dos tigres; não dispomos das asas vigorosas dos condores, para cruzar os céus e vencer distâncias; não nadamos nem mergulhamos como os cachalotes e tubarões. Somos ínfimos, pequenos, quase insignificantes. Não nos foram dadas essas particularidades e privilégios, mas sabemos nos sobrepor a todas essas nossas deficiências, porque somos inteligentes e racionais. Há, porém, uma grande verdade que se faz patente: os irracionais não praticam irracionalidades. Quem as pratica somos nós. Bagunçamos o ambiente que nos abriga, eliminamos os outros humanos, e dizimamos os demais seres vivos, nas águas, nas terras e nos ares, indistintamente. Parece até que temos uma pressa, inexplicável e suicida, para acabar com tudo. Que importa a harmonia, a abundância, a beleza, o esplendor do mundo que habitamos? Bem mais emocionante deve ser o caos.
Não somos senhores nem guardiões da vida, mas, com certeza, somos parceiros da morte.
(*) Passageiro do tempo e do espaço... e não sei mais o quê.

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