(*)
José de Anchieta Batista
Poderia
hoje escrever sobre algo que representasse uma injeção de otimismo, mas as
notícias cotidianas desanimam qualquer um. Não é possível olhar este mundo
atual sob a ótica de que “tudo vai pelo melhor
no melhor dos mundos possíveis”, como afirma o Professor Pangloss, aquele
personagem de Voltaire, em seu livro Cândido
ou o Otimismo.
Hoje
me abateu um certo desencanto e resolvi escrever sobre este sentimento que me
aflige. Quase uma revolta radical. Angustia-me a certeza de que faço parte desta
realidade e de que também contribuo para tudo isso.
Dentre
os animais, cada espécie tem um comportamento que, via de regra, não foge ao
que lhe é imposto por seu milenar instinto. Criar um leão no recôndito
doméstico é condenar-se a algum dia ser transformado em saborosa iguaria. As
feras são feras... e pronto. Há, porém, uma fera que me causa maior medo: o
homem. Este sujeito me traz interrogações que jamais são respondidas. Nem mesmo
os enigmas que existem em minha fera pessoal, eu consigo desvendar
satisfatoriamente. Somos seres incógnitos. Somos feras que pensam. Dispomos da
inteligência e da razão, como lamparinas de nossas escolhas, dentro do que se
nos apresenta como bom ou mau, certo ou errado, bonito ou feio, e por aí vai,
nesta dualidade que existe em tudo.
Não
há qualquer dúvida de que nós, os homens, estamos acima dos outros animais. Somos
os mestres e os maestros desta orquestração. Que orgulho! Que maravilha! Diante
de tudo o que existe na face da Terra, fomos coroados reis. Há um rei e um
reinado em cada trono que representamos. Coitados de nós! Em nossa origem, poucos
animais nascem tão indefesos. Aqui aportamos desprovidos de quaisquer condições
para uma sobrevivência imediata, sem que outros nos auxiliem. Depois crescemos...
e como particular ator da capacidade que
trazemos de discernir e escolher, tornamo-nos o mais imbecil, o mais idiota, o
mais terrível de todos os animais. As facções que se opuseram ou se opõem a
isso sucumbiram ou continuam a ser massacradas impiedosamente. Na milenar
história da humanidade, temos escolhido praticar todo o mal possível, e ainda
saímos por aí vangloriando-nos de nossa sabedoria e do inefável título de
“filhos de Deus”. E é nessa condição de
filhos tão ilustres, que fazemos a guerra, eliminamos o nosso semelhante e
ainda destruímos nossa própria casa, a Terra. Praticamos justamente o que a
inteligência e a racionalidade deveriam abominar. Estamos ajudando a derreter o
gelo dos polos; estamos enchendo os mares de porcarias; estamos desertificando
o mundo. Até mesmo, acima de nossas cabeças, orbitam lixos nossos lá no espaço superior.
Neste desrespeito irrefreável, temos acelerado o dia final de nossa
autodestruição. Tudo isso prenuncia a proximidade de uma nova catástrofe para a
humanidade. Não sabemos quando ocorrerá, mas será inevitável esta colheita. Que
importa? Dane-se o mundo!
Numa
de minhas crônicas passadas, afirmei que o homem é o bagunceiro da criação. E o
somos. Bagunçamos tudo, nesta empáfia maldita de achar que somos donos, e que,
por isso, temos o direito de destruir tudo o que nos rodeia. Não importa que
seja algo renovável ou não. Não interessa que demore cem anos para que exista
uma outra árvore semelhante. Será que
nós, os homens, somos de fato inteligentes e racionais? Por que, então,
escolhemos o pior? Os outros animais, que
são desprovidos desses atributos humanos, não são maus, perversos,
destruidores. O que fazem é cumprir a programação instintiva previamente estabelecida.
Vivem sob absoluto respeito às regras, mesmo que inconscientemente. Nós, os homens,
tidos como imagem e semelhança de Deus, ocupamos nosso existir com uma
racionalidade nitidamente irracional. Produzimos um sem fim de absurdos, só
aceitáveis pelo ilogismo e pela insensatez. Não temos a força bruta dos
elefantes; não trazemos a imponência selvática dos leões nem dos tigres; não dispomos
das asas vigorosas dos condores, para cruzar os céus e vencer distâncias; não
nadamos nem mergulhamos como os cachalotes e tubarões. Somos ínfimos, pequenos,
quase insignificantes. Não nos foram dadas essas particularidades e privilégios,
mas sabemos nos sobrepor a todas essas nossas deficiências, porque somos
inteligentes e racionais. Há, porém, uma grande verdade que se faz patente: os
irracionais não praticam irracionalidades. Quem as pratica somos nós. Bagunçamos
o ambiente que nos abriga, eliminamos os outros humanos, e dizimamos os demais
seres vivos, nas águas, nas terras e nos ares, indistintamente. Parece até que
temos uma pressa, inexplicável e suicida, para acabar com tudo. Que importa a
harmonia, a abundância, a beleza, o esplendor do mundo que habitamos? Bem mais
emocionante deve ser o caos.
Não
somos senhores nem guardiões da vida, mas, com certeza, somos parceiros da
morte.
(*) Passageiro do tempo e do
espaço... e não sei mais o quê.
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