domingo, 15 de novembro de 2015

ESPAÇO DO ANCHIETA (Jornal Página 20, de 14/11/2015)

 CONVERSANDO COM A MINHA MORTE

Haverá um encontro entre nós dois...
E não nos será permitido
deixar de consumá-lo.
Não sei em qual momento,
nem sei em qual lugar...
mas, virás!
Então me levarás por mundos talvez desconhecidos...
onde não sei se "descansarei em paz",
onde não sei se me cansarei bem mais...

Este é teu jeito de ser: uma incógnita!

Ninguém sabe, aliás,
onde moras,
como és,
donde vens,
nem quando virás...
És imprevisível!

E embora nosso encontro seja inevitável,
serás tu que virás até mim,
pois nunca pretendi buscar-te
para a celebração do meu suposto fim.

Desde criança imaginei-te a mais cruel das criações,
pois no contexto de todos os contextos,
sempre foste para mim
a mãe da maldade universal!
Alimentei, assim, um terrível pavor de ti
e te odiei com toda a plenitude...
- Horrorosa expressão do próprio mal!

Um dia, porém,
eu resolvi desvendar-te...
não mais te olhando nos confins do eterno...,
mas aqui, bem aqui,  dentro de mim.
Vasculhei as cavernas dos supostos ilogismos
e estavas bem lá.... lá na raiz
de minha própria e incompreensível gênese...
... na perenização de minha espécie
condutora de imorredouros egoísmos.

Mas, deixa isso pra lá!

Sei que é deveras difícil, quase impossível,
Mas quero te esperar
Em vestes conflitantes com os lugares-comuns:
- Quero ter comigo
a mansidão de um cordeiro a ser imolado...
E mesmo na inquietude de um condenado,
que não sabe sequer pra onde vai,
experimentarei uma certeza,
neste findar de luta tão renhida:
- Na realidade tu não és “a morte”!
- És sagrado instrumento para vida!

E quando nós dois nos abraçarmos,
eu quero que tuas asas
deslizem macias pela amplidão...
pelo desconhecido...
e me levem a algum mundo melhor que este,
já que o daqui, insano me tem sido.

Sabes?
Tenho tentado preparar-me para receber-te,
com um sorriso nos lábios...
sereno e enternecido...
E até saudar-te como se procede
no reencontro com uma velha amiga...
- E eu sei que isto me será permitido.

Ah! Se possível,
quero preparar-te
uma roda de samba,
um forró de pé-de-serra,
ouvir “assum preto” e o “último pau-de-arara”,
pela última vez...
e sei muito bem que nisso
não verás insensatez!

Sim, minha amiga,
um dia virás...
mas, quando enfim decidires,
por favor...
chega sem barulho,
sem confusões,
sem atormentar-me,
sem desesperar ninguém...
e me garante paisagens coloridas,
pelas estradas que o universo tem!
                      
Leva-me, se possível,
sem aquele doloroso e interminável suspense...
sem os pavores que te precedem...
sem o desespero que semeias...
Leva-me, querida,
Ao doce som da valsa vienense...

Finalmente, estarei convicto
de que já moravas aqui,
dentro de mim!
E ver-te-ei, por fim,
como algo sagrado para a Vida...
Levarei a certeza de que,
nos mistérios da existência tua,
sabes bem onde a vida continua!

Assim,
dos entes queridos, que aqui ficam,
Não quero lágrimas,
não quero orações,
não quero rezas... 
 Não quero que entoem cantos fúnebres,
Nem toquem a Ave Maria de Schubert...
Não quero o culto,
Não quero a missa...

Querida morte,
Leva-me em paz...
Devolve-me, de novo, a minha origem,
- Ó mais profundo símbolo de justiça!

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