O grande
Vinícius de Moraes tinha um modo muito particular de cumprimentar seu público e
seus amigos. Para isso utilizava a
saudação “Saravá”. Muitos “donos” de Deus, de Jesus e dos Céus, embora afirmem,
da boca para fora, que a Deus pertence o julgamento, no íntimo têm certeza de
que “o poetinha” vive hoje “saravando” no fogo eterno. Meu querido “branco mais
preto do Brasil”, não leve isso a mal! Receba, daqui, o meu fraterno Saravá!
Não se tem plena
certeza da origem da palavra “Saravá”, utilizada tão fraternalmente entre os
membros da Umbanda Sagrada e também, com menos frequência, no Candomblé.
Alguns afirmam que os escravos enrolavam a
língua na hora de pronunciar a palavra “SALVAR” e só conseguiam falar: SA-LA-VÁ.
Outros trazem a versão de que se trata de um mantra originado de: SÁ (força) + RÁ (movimento) + VÁ (Natureza),
formando a ideia de uma saudação espiritual que é dirigida à “força que movimenta a Natureza”. Isso viria de alguma língua banta. Há, enfim,
outras versões, sem que se possa ter segurança de como surgiu. Uma coisa, porém,
é certa: esta saudação tem raízes no mundo
de nossos escravos.
Creiam, meus
amigos, que as palavras possuem alma. E seja qual for a origem da palavra
“saravá”, a alma dela traz em si o mais fraterno e o mais puro dos sentimentos.
Ela busca transmitir uma saudação de amor ao Poder Superior ou ao nosso
semelhante. É como se disséssemos: “Salve, meu irmão! Eu te amo!”, “Salve, nosso
Deus”, “Deus te abençoe!” etc.
Desde a década de 60, fruto da convivência
com um amigo adepto de religião afro-brasileira, adquiri o hábito de
cumprimentar pessoas, com um “Saravá”. Alguns acolhiam minha saudação com outro “Saravá”,
enquanto outros me olhavam com radical desaprovação e se benziam ou me
respondiam, às vezes com aspereza: “Jesus
me livre!”, “sangue de Cristo!”, “Jesus
te ama!”. Em meio a tantas intolerâncias, houve uma oportunidade em que ouvi que
aquilo era uma saudação utilizada na entrada do inferno.
E assim, prossegui
vida afora, com meu inocente, mas provocante, “Saravá”. Nem me dei conta de
que, com o tempo, fui intensificando sempre mais o uso desta saudação, e ela se
tornou sempre presente no meu linguajar coloquial. Os mais aproximados sabem muito bem disso.
O interessante é
que, por muito tempo, jamais me interessei por saber o significado daquela
saudação. Utilizava-a com a maior simplicidade do mundo, como se fosse um
“olá!”, um “bom-dia!”, ou outra qualquer afabilidade. Somente de alguns anos
para cá, após absorver conhecimentos mais aprofundados sobre a Umbanda Sagrada,
tive a real amplitude desse cumprimento tão fraterno.
Hoje, quando
pronuncio respeitosamente a saudação, já não busco provocar ninguém, nem me
ferem as reações daqueles que pisam no mesmo lugar, dentro dos muros do
conservadorismo.
Recentemente,
numa livraria de Fortaleza, ao receber o troco da mocinha do caixa,
involuntariamente acrescentei um carinhoso “Saravá”. P’ra quê fiz isso, meus amigos? A moça levantou
os olhos e, aterrorizada, respondeu-me:
- Sangue de
Cristo, meu senhor! Isso é coisa do demônio!
- Senhorita,
quem lhe disse isso? – perguntei-lhe.
- O pastor da
minha igreja, meu senhor! – disparou, em cima da bucha.
- Minha filha,
isso é de uma ignorância sem limites, além de ser uma intolerância religiosa. Quando
lhe digo “Saravá” é como se lhe dissesse: “Salve, minha irmã!”
- Mas isso não é
de Jesus! Isso é coisa do satanás! – retrucou-me, mais uma vez, convicta
daquilo que falava.
Balancei a
cabeça, esbocei um riso de compreensão, e acrescentei:
- Senhorita, não
vou discutir com você sobre este assunto, mas, por favor, procure encontrar o
sentido desta saudação umbandista. Não pergunte ao pastor de sua igreja. Ele
está amarrado a princípios e atitudes odiosas contra as outras religiões. De
qualquer forma, Deus abençoe a você e ao seu pastor! – concluí.
Despedi-me de
todos com uma reverência, peguei meu pacote e saí, sob os olhares de
funcionários e clientes.
Amigos, não
diviso, para breve, um respeito a outras formas de cultuar o mesmo Deus do
Universo. Se você é cristão, Cristo é o mesmo, para mim e para você! Ele, que é
sapientíssimo, com certeza nos compreenderá.
E já que falamos
da saudação umbandista, quero concluir esta crônica, afirmando que nossa
Umbanda nasceu no Brasil, em 1908, com fundamentos próprios, sob a
égide de princípios espiritualistas e eminentemente
cristãos, em que se cultua o “Sagrado” principalmente por meio do grande
esplendor da Natureza.
- Saravá! Que Oxalá
proteja a todos!
Como? Não
entendeu esta minha despedida?
Eu traduzo:
- Salve! Que Jesus proteja a todos!
- Salve! Que Jesus proteja a todos!
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