domingo, 10 de abril de 2016

SARAVÁ, MEU PAI!

O grande Vinícius de Moraes tinha um modo muito particular de cumprimentar seu público e seus amigos.  Para isso utilizava a saudação “Saravá”. Muitos “donos” de Deus, de Jesus e dos Céus, embora afirmem, da boca para fora, que a Deus pertence o julgamento, no íntimo têm certeza de que “o poetinha” vive hoje “saravando” no fogo eterno. Meu querido “branco mais preto do Brasil”, não leve isso a mal! Receba, daqui, o meu fraterno Saravá!
Não se tem plena certeza da origem da palavra “Saravá”, utilizada tão fraternalmente entre os membros da Umbanda Sagrada e também, com menos frequência, no Candomblé.
 Alguns afirmam que os escravos enrolavam a língua na hora de pronunciar a palavra “SALVAR” e só conseguiam falar: SA-LA-VÁ. Outros trazem a versão de que se trata de um mantra originado de: SÁ (força) + RÁ (movimento) + VÁ (Natureza), formando a ideia de uma saudação espiritual que é dirigida à “força que movimenta a Natureza”.  Isso viria de alguma língua banta. Há, enfim, outras versões, sem que se possa ter segurança de como surgiu. Uma coisa, porém, é certa:  esta saudação tem raízes no mundo de nossos escravos.
Creiam, meus amigos, que as palavras possuem alma. E seja qual for a origem da palavra “saravá”, a alma dela traz em si o mais fraterno e o mais puro dos sentimentos. Ela busca transmitir uma saudação de amor ao Poder Superior ou ao nosso semelhante. É como se disséssemos: “Salve, meu irmão! Eu te amo!”, “Salve, nosso Deus”, “Deus te abençoe!” etc.
  Desde a década de 60, fruto da convivência com um amigo adepto de religião afro-brasileira, adquiri o hábito de cumprimentar pessoas, com um “Saravá”.  Alguns acolhiam minha saudação com outro “Saravá”, enquanto outros me olhavam com radical desaprovação e se benziam ou me respondiam, às vezes com aspereza:  “Jesus me livre!”,  “sangue de Cristo!”, “Jesus te ama!”. Em meio a tantas intolerâncias, houve uma oportunidade em que ouvi que aquilo era uma saudação utilizada na entrada do inferno.
E assim, prossegui vida afora, com meu inocente, mas provocante, “Saravá”. Nem me dei conta de que, com o tempo, fui intensificando sempre mais o uso desta saudação, e ela se tornou sempre presente no meu linguajar coloquial.  Os mais aproximados sabem muito bem disso.
O interessante é que, por muito tempo, jamais me interessei por saber o significado daquela saudação. Utilizava-a com a maior simplicidade do mundo, como se fosse um “olá!”, um “bom-dia!”, ou outra qualquer afabilidade. Somente de alguns anos para cá, após absorver conhecimentos mais aprofundados sobre a Umbanda Sagrada, tive a real amplitude desse cumprimento tão fraterno.
Hoje, quando pronuncio respeitosamente a saudação, já não busco provocar ninguém, nem me ferem as reações daqueles que pisam no mesmo lugar, dentro dos muros do conservadorismo.
Recentemente, numa livraria de Fortaleza, ao receber o troco da mocinha do caixa, involuntariamente acrescentei um carinhoso “Saravá”.  P’ra quê fiz isso, meus amigos? A moça levantou os olhos e, aterrorizada, respondeu-me:
- Sangue de Cristo, meu senhor! Isso é coisa do demônio!
- Senhorita, quem lhe disse isso? – perguntei-lhe.
- O pastor da minha igreja, meu senhor! – disparou, em cima da bucha.
- Minha filha, isso é de uma ignorância sem limites, além de ser uma intolerância religiosa. Quando lhe digo “Saravá” é como se lhe dissesse: “Salve, minha irmã!”
- Mas isso não é de Jesus! Isso é coisa do satanás! – retrucou-me, mais uma vez, convicta daquilo que falava.
Balancei a cabeça, esbocei um riso de compreensão, e acrescentei:
- Senhorita, não vou discutir com você sobre este assunto, mas, por favor, procure encontrar o sentido desta saudação umbandista. Não pergunte ao pastor de sua igreja. Ele está amarrado a princípios e atitudes odiosas contra as outras religiões. De qualquer forma, Deus abençoe a você e ao seu pastor! – concluí.
Despedi-me de todos com uma reverência, peguei meu pacote e saí, sob os olhares de funcionários e clientes.
Amigos, não diviso, para breve, um respeito a outras formas de cultuar o mesmo Deus do Universo. Se você é cristão, Cristo é o mesmo, para mim e para você! Ele, que é sapientíssimo, com certeza nos compreenderá.
E já que falamos da saudação umbandista, quero concluir esta crônica, afirmando que nossa Umbanda nasceu no Brasil, em 1908, com fundamentos próprios, sob a égide de  princípios espiritualistas e eminentemente cristãos, em que se cultua o “Sagrado” principalmente por meio do grande esplendor da Natureza.
- Saravá! Que Oxalá proteja a todos!  
Como? Não entendeu esta minha despedida?
Eu traduzo:
           - Salve! Que Jesus proteja a todos! 

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