(*)
José de Anchieta Batista
Naquele
fatídico 17 de abril de 2016, foram tristes e deploráveis os momentos que a
Câmara Federal nos proporcionou. Durante algumas horas, acompanhei tudo, voto por
voto, cena por cena, e me decepcionei profundamente.
Não
obrigatoriamente todos os deputados teriam de ver as coisas pela minha ótica. Mas,
obrigatoriamente, teriam de agir com a postura minimamente esperada dos
representantes da nação brasileira. Ao contrário disso, sentiu-se, desde o
início, que a seriedade estava vergonhosamente comprometida. Logo passou a reinar
a descompostura, a deslealdade, a mentira, a baixaria, a farsa, a babaquice. Um
grande número de fantoches, nitidamente despreparados, sabidamente corruptos e
manietados, sobressaiam àqueles que demonstravam possuir perfis condizentes com
o cargo exercido. Estarrecido, senti que era justamente aquela maioria inescrupulosa
que, naquele momento, dominava o deprimente espetáculo, na condição de
julgadores de uma Presidente da República. E, em meio a tudo aquilo, ainda me
aparece o Bolsonaro, este maníaco por coisas abomináveis, reverenciando um
torturador e fazendo apologia à ditadura militar. Era o que me faltava para que
me sentisse também num manicômio. Não! Não era aquela gente que deveria
mensurar e julgar atos da mandatária-mor de meu País. Uma vergonha! Meu
espírito de cidadão brasileiro repugnou raivosamente tudo o que ali estava. Mas,
do mundo conturbado de minha alma, ecoou muito forte:
-
Calma, Anchieta. Foi nosso povo que os escolheu! Eles são o extrato de nossa
gente!
Quem
prestou atenção, com sentimento de justiça e amor pátrio, ao medíocre perfil daqueles
representantes de nosso povo, certamente refletiu com profundidade sobre o expressivo
desabafo de nosso deputado César Messias:
-
“Olha onde nós chegamos: tira Dilma,
entra Temer; tira Temer, entra Cunha; tira Cunha, entra Renan; que Brasil é este?”.
Houvesse
ali um painel especial, em que pudéssemos “ver através da máscara da face”, como
nos fala o grande poeta Raimundo Correia em seu famoso soneto “Mal Secreto”,
certamente aquela votação não teria sido regida por um ritual de tão deslavada
hipocrisia; certamente Eduardo Cunha, que deveria integrar o Livro dos Records,
na condição de maior cínico do mundo, estaria estampado no enorme telão, com
suas intrigantes bandalhices; certamente, uma cambada de corruptos inveterados seria
ali desmascarada e nem um deles pousaria de vestal; certamente a verborragia sem conteúdo não ousaria
esconder a safadeza e o analfabetismo
político; certamente, durante o voto de muitos daqueles atores, estaria escrito
lá no telão: “Viva eu! Dane-se o povo!”; e certamente a deputada Raquel Muniz não
teria tentado canonizar seu marido, prefeito de Montes Claros, que no dia
seguinte foi colocado atrás das grades, como um larápio do dinheiro público.
Que
pena que este telão especial seja tão somente um produto de meu desvario. As
podridões continuarão camufladas sob o manto de falsas virtudes, hipocritamente
escondidas por detrás da “´máscara da face”. Assim, personagens como Eduardo
Cunha, Renan Calheiros, Michel Temer e muitos outros, continuarão a dar as
cartas.
Naquela
vergonhosa sessão da Câmara dos Deputados, os dez segundos destinados a cada
voto, foram por muitos preenchidos com afirmações verdadeiramente ridículas. Os
pobres coitados pareciam não ter sobre o que falar. Ali não cabia dedicar voto aos
avós, aos pais, aos cônjuges, aos filhos, ou ao que lhes viesse à mente. A
ladainha era quase sempre a mesma, fazendo daquilo um ritual de babaquices. Em
suma: excluídos alguns homens e mulheres com posturas adequadas ao cargo, grupo
no qual obrigo-me a incluir também opositores da Presidente Dilma, estava ela
sendo fritada por um bando de parlamentares despreparados, sem escrúpulos e sem
estatura para comporem um parlamento digno. E ao vê-los travestidos de juízes, enchi-me
de pena de meu Brasil. Havia ali uma visível carência de atitudes menos
patéticas para representantes de meu povo. Historicamente, no que pese a
tradicional politicagem, já tivemos coisa melhor.
Naquele
espaço, todo mundo tem o direito de discordar, de ser da outra banda, de ser a
favor ou contra qualquer coisa, mas pelo menos tem que demonstrar coerência na
análise dos porquês. A grande maioria daquelas criaturas não tem a mínima
consciência do mundo real que os cerca, nem respeito por aqueles que deveriam
representar. Comportam-se como bois de manada. E sabe Deus por quais caminhos
se fizeram representantes do povo brasileiro.
Não
somente porque apoiaram a opção para mim mais correta, mas os deputados que me
representavam, Sibá Machado, César Messias, Léo de Brito e Angelim, houveram-se
muito bem: longe de serem vistos na telinha da TV como ladrões, não repetiram aquelas
baboseiras durante seus votos e, conscientemente, se declararam contra a
tremenda injustiça que querem impor à Presidente Dilma.
Naquela
tarde e noite, ao lado de minha esposa, abalado e possuído por grande revolta,
tive de assistir a um espetáculo vergonhoso e deprimente. Tudo aquilo era
visivelmente uma farsa, um desvirtuamento da verdade, para transformar a
Presidente numa criminosa. Foi um domingo em que o plenário da Câmara Federal
mais pareceu um picadeiro. O resultado é que fomos perdedores e o processo de
impeachment foi encaminhado ao Senado Federal.
Ao
final de tudo, externei, visivelmente desalentado:
-
Não é possível que essa gente vazia, hipócrita e sem caráter, consiga
defenestrar a Presidente de meu País! Protege-nos, ó Deus!
Agora,
viveremos outros episódios no Senado. Não sabemos se haverá mudança nos rumos
desta farsa, ou se será consolidado o vergonhoso golpe parlamentar. Em algumas particularidades,
o grupo desta outra Casa é melhor qualificado, mas as mazelas da politicagem brasileira
são também inquilinas daquele plenário. Neste novo cenário, respeitadas as
valiosas exceções, também funciona picadeiro e teatro de bonecos.
- Amigo
Cesar Messias, que Brasil é este?
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