domingo, 15 de maio de 2016

“EU TENHO DE ...”, “EU TENHO QUE ...”, NAS LIÇÕES DA VIDA

(Crônica publicada no jornal "PÁGINA 20", de 15/05/2016 - Rio Branco - Acre - Espaço do Anchieta)
Acredito que os profissionais da linguística, os filólogos, os gramáticos, não passam por esta mesma via crucis.  Sempre há mais uma armadilha escondida nos labirintos de nossa Língua Portuguesa.  Ó Deus! Quantas arapucas?!
Ao escrever determinada crônica, veio-me de repente uma dúvida: “tenho de” ou” tenho que”? E lá me fui consultar uma figura intangível, sagrada, diabólica, admirável, enciclopédica, maluca, etc., indispensável hoje em dia, chamada professor Google, este gênio, versado em todo tipo de assunto, capaz de elucidar qualquer dúvida a respeito de qualquer matéria. O grande mestre possui uma espécie de prateleira cibernética, onde se misturam produtos falsos, genéricos, ou originais, distribuíveis, prestativa e graciosamente, a qualquer aluno desta enorme sala de aula, instalada no enorme manicômio em que vivemos. São respostas brilhantes, obscuras, eruditas, ridículas, e até mesmo respostas que não respondem coisa alguma, ou que se prestam apenas para repetir que o óbvio continua sendo o óbvio.  A respeito das expressões “ter de” e “ter que”, consultei o grande sábio, e um rosário de opções apareceram na tela do computador. Encontrei referências ao “ter de” como uma forma culta, de uso histórico, há muito substituída por “ter que”, por se ter feito antiquada; alguém comentou a possibilidade de utilização de uma ou de outra, para casos distintos, e apontou regras para isso; outros mencionaram uma saída mais simples: “tanto faz como tanto fez”.  Em meio às possibilidades oferecidas, decidi continuar utilizando, quando da construção de um período, a forma que melhor agradar ao ouvido, embora confesse minha preferência pelo “ter de”.
Não vou encerrar por aqui minha abordagem sobre o assunto. Levado pela consulta ao professor Google, uma outra luz brilhou. Num rápido pensar, descobri que tais expressões jogam suas complicações para além do uso da gramática, atingindo-nos de outra forma, com efeitos maléficos. Vejo agora que minha vida pessoal esteve sempre vinculada a estas expressões. Não esporadicamente elas deixam marcas em nosso viver. Falo assim porque em alguns instantes importantíssimos da vida, sob o comando de minha própria vontade, deixei de priorizar coisas mais importantes, tendo como justificativa “ter de ...”, ou “ter que ... “.  
Hoje, setentão, a ocupação mais presente neste quase crepúsculo da vida, é fazer inventários de tudo o que houve pelo caminho. No mais das vezes, isto é muito dolorido. Contudo, de uma coisa já me tornei absolutamente convicto: quanto menos formos dependentes desta expressão compulsória, menos atravancado está nosso caminho, em busca da felicidade. Assim, o “ter de”, ou o “ter que”, tem de estar vinculado tão somente a tudo o que constrói. Foi numa dessas retrospectivas de septuagenário, que me vieram, justamente, as lembranças de coisas mais que importantes, que eu deveria ter feito, mas não as fiz, porque “tinha de”, ou “tinha que”. 
 Minha precaução talvez tenha vindo tarde, mas aconselho que quando tivermos de dizer um não a uma pessoa querida, ou priorizar alguma coisa por meio destas expressões, é de boa providência mensurar o peso das escolhas.
Só para exemplificar, lembro que certa vez, minha filha Sílvia, com apenas cinco anos, esperneou para que eu brincasse de bonecas com ela. Que custava? Quanto valia aquele momento? Juro que não sei avaliar o preço.  E eu não lhe fiz aquele minúsculo desejo, somente porque “tinha de” sair para papear com amigos. Agora, em meu último quadrante, quase meio século depois, “tenho de”, ou “tenho que”, amargar a lembrança daquele instante aparentemente sem importância.
Os amigos se foram ... minha filha ficou. 
Sabemos que tudo é simplesmente como um relâmpago. Assim afirmo em meus versos intitulados EFÊMEROS”:
De repente / os tempos se vão / e não voltam mais, / a infância se vai, / a juventude que é linda, / um dia se finda... /Sem a luz do sonhar, / o amor se desfaz ... / Que grande tolice / achar que a velhice / é paz e saber! / Como o rio que vai, / se esvai o viver... / E tudo o que foi / ficará para trás... / E o sonho? / Que sonho? /Não há nada mais!
Concluo esta crônica, com três expressivos versos da música ”Epitáfio”, do conjunto musical brasileiro “Os Titãs”:
“...
Devia ter complicado menos,
Trabalhado menos,
Ter visto o sol se pôr...”

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