sábado, 10 de fevereiro de 2018

OS IRREVERENTES, OS TURRÕES E OS CATASTRÓFICOS


Tendo em foco as muitas formas de ser dos que conosco convivem, visitaremos hoje, sem a pretensão de abordagem mais profunda, três tipos de pessoas: os espirituosos irreverentes, os raivosos turrões e os catastróficos.
No folclore nordestino existem alguns personagens altamente festejados no mundo da “grossura”. Essas criaturas espirituosas e irreverentes sempre obedeceram a uma regra: se a pergunta é burra, a resposta tem que ser um coice.
Dentre eles, posso citar, embora não tenha conhecido nem um dos dois, seu Manduri, na cidade de Patos das Espinharas (Pb), e seu Lunga, lá no Juazeiro do Norte (Ce). Certamente que, em meio aos inúmeros fatos pitorescos que são contados e recontados, muitos deles foram inventados por aí e atribuídos a essas figuras mitológicas da “delicadeza”. Da forma como narram as piadas de que são protagonistas, forma-se a ideia, talvez até equivocada, de que tenham sido pessoas extremamente raivosas, brutas e permanentemente mal-humoradas. Realmente não sei se isso é verdadeiro, mas foi dessa forma que sempre os imaginei. Contudo, apesar de todo esse perfil de turrões e coiceiros que incorporaram, um lado bom eles trouxeram: a produção de piadas para fazer o mundo achar graça e descontrair a vida.
Em outro quadrante de nossa convivência, sem essa qualidade de pessoas espirituosas e irreverentes, encontramos aqueles que, em nosso dia a dia, sem fazer graça nenhuma, vivem esturrando e colocando fumaça pelas ventas, como se fossem os dragões dos filmes de ficção ou das historinhas que nos contavam quando crianças.  Estas pessoas são indubitavelmente doentes e simplesmente infelizes. Levantam-se da cama já raivosas e mal-humoradas, talvez porque em seus pesadelos, brigaram sem parar durante a noite inteira. Com certeza não vivem a vida. Estão naturalmente em conflito com tudo e com todos, principalmente com os próximos mais próximos. São pessoas indiferentes aos fulgores da vida, ao lado bom da convivência humana e aos encantos da natureza. Em suas realidades interiores, a vida não tem vida. É uma masmorra onde é proibido ser feliz.
Outro tipo é o que navega sempre nos mares da catástrofe. Trabalhei com uma moça que trazia, todo santo dia, uma novidade cruel em sua vida. Quando não era isso, ela sempre achava que algo terrível ia acontecer. E sempre acontecia. Era uma profetisa das tragédias. Nunca falava de algo venturoso, nem previa momentos de felicidade.  Como creio na “lei de atração”, tenho certeza de que a pobre coitada atraía a doença para o filho, a queda da avó, a batida do carro do marido, o assalto a sua casa, e outros infortúnios de seu cotidiano.
Passei uns dez anos sem vê-la.  Num encontro recente, vi que sua vida mudara para pior. De imediato ela foi abrindo sua caixa de tragédias:
- Me sinto velha e doente, meu pai morreu, estou desempregada, meu marido está preso, a enchente invadiu minha casa...
Ouvi sua ladainha silencioso e sem qualquer interesse. Depois aconselhei, mais uma vez, a voltar o pensamento para coisas boas. Aquele modo de ser, contudo, se transformou em uma doença crônica e sem remédio:
- Só pode ser castigo, professor. Isso não muda. Só acontece o que não presta – disse-me com voz trêmula e desesperançada.
Dei um jeito de abreviar aquele papo, alegando estar atrasado para um compromisso, e sumi dali o mais rapidamente possível.

Sem quaisquer frescuras ou crendices vulgares, creio que essas energias nos afetam.

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