(Anchieta)
Para cumprir cotidianamente
minha jornada de trabalho, no Instituto de Previdência do Estado do Acre, comumente
utilizo como entrada a porta de acesso ao estacionamento da repartição, o que me
obriga a cruzar a sala de espera da Junta Médica. Por hábito, sempre cumprimento aqueles que ali aguardam atendimento,
dirigindo-lhes um fraterno bom-dia e um “Deus abençoe a todos”. Em algumas
ocasiões, quando não são muitos os presentes, acrescento um aperto de mão a
cada um deles. Assim procedo porque assim
sempre procedi. Dispensar bom tratamento a meu semelhante é uma herança sem
dúvida alguma trazida de minha infância. Assim me foi ensinado e exigido, e passou
a fazer parte de meu proceder. Mas, nos dias de hoje, parece já não ser muito
usual esse meu modo de agir.
A
sala de espera da Junta médica é um ambiente em que dificilmente existem
pessoas que não tragam consigo a aflição de algum problema de saúde, seu ou de
um ente querido. É bem nítido que os
comportamentos dessas pessoas são diferenciados enquanto ali permanecem. Algumas,
durante todo o tempo, permanecem silenciosas, introspectivas, olhar no
infinito, como se estivessem indiferentes a tudo. Outras tagarelam incessantemente,
por vezes em voz alta, inconformadas com alguma coisa. Maldizem as leis da
previdência, culpam os médicos, ou dirigem impropérios ao governo. São aquelas mesmas criaturas que, em
qualquer lugar e a todo momento, estão esbravejando e nomeando um culpado para
tudo. Geralmente, os governantes e demais políticos.
Há
alguns dias, após minha costumeira saudação, quando já me dirigia ao elevador,
pude ouvir de uma senhora idosa, visivelmente cansada e abatida, mas sem travas
na língua, um desabafo de revolta:
-
Vocês viram? Está chegando o tempo de eleições. Nem sei quem é essa figura, mas
com certeza isso deve ser candidato a alguma coisa. Agora todo mundo passa a
ter valor para esse bando de safados e corruptos – disse, com voz muito fraca,
pronunciando as palavras com dificuldade.
Uma
professora, amiga e contemporânea de sala de aula no Colégio Professor José
Rodrigues Leite, retrucou:
-
A senhora me desculpe, mas seu julgamento está equivocado. Acho que a senhora
não tem por costume ser bem tratada. Conheço o professor Anchieta há trinta
anos. Nunca foi candidato a nada e sempre agiu assim.
Não
me voltei, nem falei nada. Segui normalmente o caminho para minha sala, no
andar superior, deixando para trás o diálogo entre as duas. Soube, depois, que se tratava da mãe de uma
ex-aluna, hoje advogada e servidora pública. Estava chegando de São Paulo, onde
se submetera a tratamento no Hospital do Câncer. Ainda muito pálida e com um
lenço cobrindo a cabeça sem cabelos, aquela senhora realmente carregava problemas
bem maiores do que todos os meus.
Ali,
foi bem mais sábio de minha parte, seguir o meu caminho. Existem momentos em
que é bem melhor permanecermos surdos e mudos. Não me abalei com suas palavras
e fui em frente silencioso. Pela personalidade de minha colega professora, sei
que o diálogo chegou a um respeitoso termo.
Claro que fiquei agradecido a minha amiga,
pela defesa assumida e pelo autêntico elogio a minha pessoa, valendo destacar
que realmente nunca me candidatei a coisa alguma. Jamais o fiz, porque jamais me
adaptaria ao exercício de qualquer cargo eletivo. Não faz meu gênero.
Continuo
apenas candidato a defunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário