sábado, 30 de junho de 2018

MINHA CANDIDATURA

(Anchieta)
 Para cumprir cotidianamente minha jornada de trabalho, no Instituto de Previdência do Estado do Acre, comumente utilizo como entrada a porta de acesso ao estacionamento da repartição, o que me obriga a cruzar a sala de espera da Junta Médica. Por hábito, sempre cumprimento aqueles que ali aguardam atendimento, dirigindo-lhes um fraterno bom-dia e um “Deus abençoe a todos”. Em algumas ocasiões, quando não são muitos os presentes, acrescento um aperto de mão a cada um deles.  Assim procedo porque assim sempre procedi. Dispensar bom tratamento a meu semelhante é uma herança sem dúvida alguma trazida de minha infância. Assim me foi ensinado e exigido, e passou a fazer parte de meu proceder. Mas, nos dias de hoje, parece já não ser muito usual esse meu modo de agir.
A sala de espera da Junta médica é um ambiente em que dificilmente existem pessoas que não tragam consigo a aflição de algum problema de saúde, seu ou de um ente querido.  É bem nítido que os comportamentos dessas pessoas são diferenciados enquanto ali permanecem. Algumas, durante todo o tempo, permanecem silenciosas, introspectivas, olhar no infinito, como se estivessem indiferentes a tudo. Outras tagarelam incessantemente, por vezes em voz alta, inconformadas com alguma coisa. Maldizem as leis da previdência, culpam os médicos, ou dirigem impropérios ao governo. São aquelas mesmas criaturas que, em qualquer lugar e a todo momento, estão esbravejando e nomeando um culpado para tudo. Geralmente, os governantes e demais políticos.
Há alguns dias, após minha costumeira saudação, quando já me dirigia ao elevador, pude ouvir de uma senhora idosa, visivelmente cansada e abatida, mas sem travas na língua, um desabafo de revolta:
- Vocês viram? Está chegando o tempo de eleições. Nem sei quem é essa figura, mas com certeza isso deve ser candidato a alguma coisa. Agora todo mundo passa a ter valor para esse bando de safados e corruptos – disse, com voz muito fraca, pronunciando as palavras com dificuldade.
Uma professora, amiga e contemporânea de sala de aula no Colégio Professor José Rodrigues Leite, retrucou:
- A senhora me desculpe, mas seu julgamento está equivocado. Acho que a senhora não tem por costume ser bem tratada. Conheço o professor Anchieta há trinta anos. Nunca foi candidato a nada e sempre agiu assim.
Não me voltei, nem falei nada. Segui normalmente o caminho para minha sala, no andar superior, deixando para trás o diálogo entre as duas.  Soube, depois, que se tratava da mãe de uma ex-aluna, hoje advogada e servidora pública. Estava chegando de São Paulo, onde se submetera a tratamento no Hospital do Câncer. Ainda muito pálida e com um lenço cobrindo a cabeça sem cabelos, aquela senhora realmente carregava problemas bem maiores do que todos os meus.
Ali, foi bem mais sábio de minha parte, seguir o meu caminho. Existem momentos em que é bem melhor permanecermos surdos e mudos. Não me abalei com suas palavras e fui em frente silencioso. Pela personalidade de minha colega professora, sei que o diálogo chegou a um respeitoso termo.
 Claro que fiquei agradecido a minha amiga, pela defesa assumida e pelo autêntico elogio a minha pessoa, valendo destacar que realmente nunca me candidatei a coisa alguma. Jamais o fiz, porque jamais me adaptaria ao exercício de qualquer cargo eletivo. Não faz meu gênero.
Continuo apenas candidato a defunto.

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