sábado, 14 de julho de 2018

COMO EDUCAR UM MAU VIZINHO (Anchieta)

Aconteceu há uns vinte anos, na cidade de Brasileia, no Estado do Acre.
A troca de farpas entre os dois vizinhos já se prolongava por mais de ano. Zé Jovino, funcionário de uma agência bancária local, cidadão pacato, de boa índole, suportou o quanto pôde os abusos cotidianos do Tonhão.
Sem falhar um dia sequer, o som estridente do vizinho rompia a calma da noite, por volta das dezenove horas.  A potente aparelhagem de som, adquirida na zona franca de Cobija, na Bolívia, fazia-se ouvida muito distante. Era somente uma meia dúzia de músicas de dor de cotovelo, repetidas incessantemente. O abuso era tanto que muitas vezes a parada musical se prolongava até depois da meia-noite. Aquilo era simplesmente um absurdo.
Zé Jovino não encontrou nenhum jeito de convencer o atrevido vizinho. Registrou, então, um boletim de ocorrência na polícia. O delegado, diante dos dois, expôs os direitos e deveres de cada um, com grandes reprimendas ao comportamento do Tonhão, que se comprometeu a não mais exagerar na altura do som e também a silenciar suas caixas de som às 10 horas da noite. Ao final, como era de praxe, a autoridade policial determinou que os dois se apertassem as mãos.
Muito em breve, o Tonhão se esqueceu do que tinha prometido na delegacia e voltou a praticar os mesmos abusos, principalmente quando tomava umas carraspanas. Sábado e domingo, então, era o fim da picada.
Zé Jovino pensou em voltar à delegacia, mas desistiu. O delegado era visto apenas como um banana, um bestalhão sem moral, que só falava e falava, mas não dava jeito a coisa nenhuma. Entrara no serviço público pela janela e fora nomeado delegado por ingerência política, pois não tinha qualificação para tal.
Passados alguns dias de novos abusos, ocorreu a Zé Jovino, por várias vezes, pegar sua espingarda calibre 12 e destruir a eletrola do vizinho. Tinha coragem de sobra para fazer isso. Quem aquele sujeito pensava que era? Embora o Tonhão fosse um grandalhão metido a brabo, todo mundo sabia que se tratava de um sujeito frouxo, molenga, capaz mijar nas calças, diante de qualquer aperto. Mas o Zé, depois de medir as consequências, desistiu disso e foi maquinar outro remédio.
Quando sua esposa anunciou que estava grávida, Zé Jovino se preocupou bem mais. Seu primeiro filho não poderia ficar exposto à esculhambação do maldito som do Tonhão. Decidiu então por uma outra solução: Pedir socorro à juíza. Aquela autoridade o conhecia e com certeza o ajudaria, pois era cliente especial do banco em que trabalhava. Levou avante sua ideia, mas voltou para casa ainda mais triste e decepcionado com a resposta que recebera da magistrada:
- Seu José Jovino, para que a Justiça aja, é necessário ser provocada. O Senhor tem que entrar com um processo, por meio de um advogado, contra esse seu vizinho. Não posso fazer nada. Lamento.
Saiu do gabinete cabisbaixo. Pensou novamente em sua espingarda, avaliou mudar-se para outra casa ou, em último caso, pedir transferência para Rio Branco. Achava, porém, um absurdo ser ele o grande perdedor da querela. Não! Jamais iria sair dali por causa de um vizinho mau-caráter. Iria à luta.
Faltavam quatro meses para a esposa trazer ao mundo seu primeiro pimpolho. Tinha que agir logo. Só não podia fazer alguma besteira que viesse complicar a sua vida.
De repente, Zé Jovino lembrou-se de que a coisa que o Tonhão mais adorava na vida era a soneca de depois do almoço. Todo início de tarde, janela aberta bem junto ao muro, Tonhão se espojava na velha rede encardida. Seu ronco se ouvia à distância. Eram duas horas mergulhado num sono profundo, mais parecendo um velho porcão sem qualquer compromisso. Durante esses momentos, o sujeito era capaz de sair no tapa com quem ousasse acordá-lo. A mulher e os filhos não davam um pio.
Pronto! Até que enfim encontrara a chave de ouro para sua vingança.
Zé Jovino pôs em prática seu plano. Trouxe de sua colônia um motor de puxar água, daqueles mais barulhentos que se possa imaginar e instalou-o no quintal, bem ao lado da janela do Tonhão. Meio-dia e meia, o velho motor entrava em ação, com seu barulho ensurdecedor. Parecia uma turbina desses aviões de carga. Era de tal forma barulhento que, mesmo que o Tonhão fosse dormir em qualquer lugar da casa, jamais conseguiria desfrutar de uma soneca.
Quatro meses depois, quando o guri nasceu, todo aquele problemão de Zé Jovino estava resolvido. Depois de uns quinze dias da instalação do motor, a tranquilidade passou a reinar. O Tonhão entendeu o recado e se viu obrigado a abandonar, completamente, o mau costume de encher o saco do vizinho com sua vitrola e suas caixas de som. Foi uma bênção de Deus.
Quando Zé Jovino sentiu que o remédio surtira o efeito desejado, deixou quieto seu potente motor de puxar água do rio, devolvendo-o a sua colônia e voltou a usar somente o motor antigo, quase silencioso.

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