José de
Anchieta Batista
No início dos tempos, quando o verdadeiro Criador
iniciou sua interminável obra, jogou no jardim do Éden um sujeitinho chamado
homem, um cara petulante, boçal, metido a maioral, que, dotado do que chamamos
de inteligência, passou a comandar tudo o que estava a seu redor.
Foi-lhe dada a gerência de tudo, e ele se viu, ali,
meio que perdido, diante daquele sem número de mistérios para desvendar e
compreender. Foi obrigado, logo de início, a descobrir que muitas coisas eram
indispensáveis na manutenção da vida, enquanto outras podiam significar a
morte. Era preciso estar atento para distinguir o que lhe era bom do que lhe
era nocivo. Aprendeu a escolher os melhores lugares onde construir seus abrigos,
compreendeu logo que a água e os alimentos deviam estar por perto, construiu
obstáculos para se proteger dos muitos inimigos, fez armas para sua defesa e
subsistência, descobriu forma de obter fogo etc.
Assim, o homem, desde sempre, viu-se obrigado a evoluir,
ora tendo sucesso em suas descobertas, ora quebrando a cara em seus
experimentos. E foi nesse ambiente de infinitas incógnitas que o espécime
hominídeo passou a cuidar de seus permanentes desafios e se viu aterrorizado
por fenômenos incompreensíveis, muitos deles bem acima de seu poder de
enfrentamento. O medo sempre fez parte de sua vida. Além das feras naturais, aterrorizavam
o seu cotidiano, as chuvas torrenciais, os relâmpagos, os trovões, os raios, os
vulcões, os terremotos, os maremotos, etc.
Diante de constantes surpresas e mistérios, o homem encontrou
sobejas razões para supor que alguma força superior fosse responsável por tudo.
Sentia uma necessidade natural de buscar explicações e dar autoria ao que era
motivo de felicidade ou infelicidade.
Surgiu a ideia das divindades e dos capetas. Deu-se forma a um Deus, todo
poderoso, “imagem e semelhança” do próprio homem. Paralelamente, criou-se o
Diabo, também com imagem e semelhança humana, para fazer o contraponto,
transitando na contramão, responsável por tudo o que não presta. O bem e o mal passaram,
então, a ter seus mentores. Consagrou-se a inabalável certeza de que aquilo que
é bom vem de Deus e o que é ruim vem do Diabo. O depois da morte e a concepção
de que o homem possui uma alma, lançaram novas e perturbadoras interrogações. Foi
então que se instituiu, com vários modelos, neste enredo confuso da vida
eterna, um Céu para os bons e um Inferno para os maus.
Estamos não
sei em que ano do início de tudo. No
estágio atual dessa novela, as religiões proliferaram desmedidamente, cada uma
com sua barulhenta empáfia, atribuindo-se o papel de dona do verdadeiro caminho,
pregando os esplendores do Céu e os abismos do Inferno.
Nesse contexto, conheço um sem número de pessoas que
seguem doutrinas religiosas, sem hesitar ou questionar qualquer das “verdades”
que lhes repassam. Creem piamente em que os dirigentes já foram iluminados por
Deus e isso lhes vem suprir todo e qualquer questionamento. Prende-me a atenção
uma particularidade. Depois de fascinado e inebriado pela crença, tudo o que
acontece na vida do sujeito passa a ter uma influência direta de Deus ou do
Diabo. Também se estabelece um tratamento injusto e desleal entre o santificado
e os outros filhos de Deus. Se ele compra um carro, foi Deus que lhe deu. Se
passa num concurso, foi Deus que o ajudou. Se sofre um acidente, está em
provação ou sofrendo um ataque do capeta (mas deus o socorrerá). Se arranja
alguém para casar, foi Deus que enviou. E por aí vai. Passa a existir em tudo, um
agente invisível, que não é o próprio sujeito. Em sua vida, os acontecimentos
passam a ter outro significado: prêmio divino, provação, bênção, tentação do
maligno, castigo de Deus etc.
Soube recentemente de um fato tragicômico em uma
dessas igrejas espalhadas por aí:
Depois de seis meses de adultério, num romance
ocultíssimo envolvendo um irmão e uma irmã de fé, há muito considerados
exemplares no seio da igreja, alguém os flagrou e se achou na obrigação de
bater com a língua nos dentes para o Pastor.
Em razão disso, teve lugar um encontro secreto,
rigorosamente restrito aos personagens, evento este a que deram o nome de “reunião
do perdão e da misericórdia divina”.
Após um rosário de citações bíblicas, seguiu-se um
ritual de reprimendas ao Capeta e seus asseclas. Depois, feito o afastamento do
mal, ouviram-se as santas e severas recomendações do pastor e, finalmente, as bênçãos
dirigidas aos envolvidos.
Os dois casais se perdoaram abraçados, sob chuva de
lágrimas, com juras de inquebrável fidelidade. Todos estavam perdoados entre
si.
Mas sabem o que justificou e facilitou aquele santo
desfecho?
Na análise dos fatos, chegou-se à conclusão de que
os dois pecadores agiram sob a força da “tentação do inimigo”. Estavam, agora, novamente
limpos da culpa e tinham só que vigiar para não caírem novamente nos laços do
Satanás.
Não estou contra o ato do perdão em si. O que me enche
o saco é essa história de que tudo é culpa do Capiroto.
Coitadinho do Diabo. Imagino-o resmungando:
- Bando de filhos da puta, vocês não assumem nada?
Tudo eu?! Tudo eu?!
Nenhum comentário:
Postar um comentário